A REPÚBLICA COM UM NÓ NAS TRIPAS

Presidente Jair Bolsonaro prefere sair de cena e passar por mártir nas redes sociais - Reprodução Facebook / Jair Messias Bolsonaro

Não é apenas na Praça dos Três Poderes que estão os problemas de Bolsonaro

Olá! Com a CPI no encalço, queda de popularidade e Lula atravessado na garganta, o soluço de Bolsonaro terminou em dor de barriga. Já o acordo nacional proposto por Luiz Fux nasceu morto, pois ao invés de governar, Bolsonaro prefere sair de cena e passar por mártir nas redes sociais.

O soluço de Fux. É parte do modo de operação bolsonarista provocar o medo para paralisar os adversários. Acuados pela CPI, o general Braga Netto atacava o Congresso, Bolsonaro mirava no STF e no TSE e ambos ameaçavam com um golpe. Discursos agressivos que as milícias digitais reproduziram e amplificaram nas redes. Ainda assim, Luiz Fux, repetindo a gestão fracassada de Dias Toffoli e Arthur Lira (PP-AL), tentaram mais uma vez pactuar um mínimo de civilidade do Poder Executivo com os outros poderes, baseado na improvável exigência de que “Bolsonaro calasse a boca”. Como avalia Elio Gaspari, esta milésima tentativa fracassaria como todas as outras porque o capitão só poderia recuar se as investigações contra ele no STF e no Congresso recuassem também. E isso nem Lira e nem Fux podem conseguir. Ao contrário, Alexandre de Moraes, que presidirá o TSE no ano que vem, enviou ao tribunal as provas recolhidas nas investigações sobre as fake news e que poderiam estar ligadas à eleição da chapa Bolsonaro-Mourão. E até na PGR, Augusto Aras tem dificuldade para segurar a pressão e não investigar as ameaças golpistas sobre as próximas eleições. Ao mesmo tempo, se Bolsonaro e os seus generais não diminuírem os ataques ao Congresso, o indicado do governo para o STF, André Mendonça, corre o risco de não passar na sabatina do Senado. Mendonça não era o favorito nem entre os governistas. Mais do que seu currículo como pastor e teólogo evangélico, os senadores temem seu alinhamento “terrivelmente bolsonarista”, como no abuso da Lei de Segurança Nacional para perseguir adversários, e que repetiria o desastre que é a atuação de Kassio Nunes.

O que fazer com Jair? Mas não é apenas na Praça dos Três Poderes que estão os problemas de Bolsonaro. Segundo o DataFolha, a sua popularidade diminuiu entre segmentos tradicionalmente bolsonaristas como a faixa acima de dez salários mínimos e moradores do norte e centro-oeste. Segundo o PoderData, 47% dos seus eleitores em 2018 agora o rejeitam e 26% defendem o impeachment, uma das muitas rejeições que tornaria a reeleição de Bolsonaro inviável, na avaliação de Thomas Traumann. Já Alon Feuerwerker acredita que a base que permanece é suficiente para levá-lo - ou um candidato seu - ao segundo turno. Porém, pouco mais de um ano da eleição e mesmo com a máquina na mão, ainda não há um partido que o abrigue para disputar a reeleição. Por hora, Bolsonaro conseguiu por atestado médico o que não conseguia pela política: sair da linha de tiro temporariamente, tentar ganhar alguma empatia para além da sua base, o que é improvável, e reivindicar sua posição de líder contra o antipetismo. Enquanto isso, numa tentativa de manter os dedos e os anéis, Arthur Lira ainda ventilou uma proposta de semipresidencialismo, seguindo a ideia de Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, mas foi prontamente rejeitado. Já a oposição pela direita sabe que precisa se livrar de Bolsonaro se quiser estar no segundo turno, mas não sabe como fazer isso sem fortalecer Lula e a esquerda que dirige as manifestações. E nem com quem iria para o pleito. A intenção do presidente do Senado Rodrigo Pacheco (DEM-MG) em concorrer não é apenas mais um nome para a congestionada via da direita. Além de tirar o astuto PSD da órbita bolsonarista, o empresário mineiro seria menos marcado do que João Dória e poderia ganhar projeção e protagonismo como condutor constitucional do processo de impeachment. Com a decisão de Pacheco em prorrogar a CPI por mais noventa dias, Bolsonaro agora tem um concorrente que pode literalmente “legislar em causa própria”. E o ensaio pode vir mais cedo do que se espera: com Bolsonaro internado, Mourão em Angola e Lira sob investigação, Pacheco entra na linha sucessória e pode vir a assumir provisoriamente a Presidência.

Até tu? Como era esperado, a ardorosa defesa de Braga Netto do governo contra uma CPI que investiga corrupção respinga nas fardas. Além de provocar os senadores, que agora cogitam convocar o general para depor na Comissão, pesquisa DataFolha revela que 62% dos brasileiros são contrários à participação de militares em manifestações políticas. Segundo Eliane Cantanhêde, "dez entre dez oficiais da ativa" rejeitam o discurso golpista de Bolsonaro e Braga Netto. Enquanto Bruno Boghossian duvida que os militares abandonem o governo, Malu Gaspar aposta que os militares estão embarcando na fantasia da fraude eleitoral em 2022 e Helena Chagas vê sinais de muita insatisfação por parte dos militares que prezam a disciplina e não se manifestam politicamente. Já Luis Nassif diz que os militares estão divididos entre os fiéis ao bolsonarismo e os que serão parceiros, enquanto o capitão permanecer no poder. E, em caso de sua queda, se colocarão no jogo político, negociando com grupos em disputa. Nassif alerta para que ninguém nutra expectativas em relação a este grupo: não há projeto nacional nas forças armadas, só interesses da corporação. O que parece indiscutível é que os militares não voltarão para os quarteis e continuarão ainda na arena política, como se vê na sinalização para a oposição pela direita pelos dissidentes bolsonaristas na reserva ou nos esforços do petismo em se reconciliar com os militares. Em sentido contrário, a deputada Perpétua Almeida (PCdoB) conseguiu 180 assinaturas e o apoio de ex-ministros da Defesa para o Projeto de Emenda Constitucional que restringe a participação de militares da ativa no governo.

A CPI indigesta. Há três semanas, o número de novos casos e de óbitos por covid-19 vêm caindo graças à vacinação que já salvou mais de 60 mil vidas. Mesmo assim, ainda somos o epicentro da pandemia com médias de casos superiores a continentes inteiros, como Europa, África, América do Norte e Oceania. E não está descartada uma nova onda com a disseminação da variante delta, junto ao relaxamento das medidas restritivas. Tal como a pandemia, o poder de contágio da CPI também diminuiu depois das denúncias bombásticas de superfaturamento na compra de vacinas. A atitude e o depoimento de Emanuela Medrades, diretora técnica da Precisa Medicamentos, revelou que o governo vem trabalhando nos bastidores para dificultar o andamento das investigações: coincidentemente a Polícia Federal convocou Medrades na véspera de seu depoimento na CPI, o que evidencia uma tentativa de ingerência nos trabalhos da Comissão. Além disso, ela desafiou abertamente a CPI e o STF na terça (13) dando-se o direito de ficar calada. No dia seguinte, em seu depoimento, a técnica da Precisa tentou desesperadamente desmentir a versão dos irmãos Miranda sobre a negociação de compra da Covaxin. Apesar disso, uma de suas revelações foi que a negociação da Precisa com o governo visava a venda de vacinas no mercado privado. Segundo o Senador Randolfe Rodrigues, a iniciativa seria viabilizada pela aprovação de uma lei no Congresso que permitiria a compra de imunizantes por empresas. Já o depoimento de Cristiano Carvalho, representante de vendas da Davati no Brasil, apenas confirmou aquilo que já se sabia. Sem provas materiais contundentes de seu envolvimento, Bolsonaro até agora conseguiu se safar. Com isso a CPI corre o risco de chegar a um impasse, pois pode acabar dependente de possíveis denúncias feitas pelos depoentes. Mas há que se considerar que há um vasto material a ser analisado fruto da quebra de sigilo da Precisa Medicamentos e pode ser que este trabalho de bastidores avance durante o recesso do Congresso. Um dos caminhos cogitados pelos senadores é seguir o rastro do advogado Frederic Wassef, que tem conexões com negócios da família Bolsonaro no Rio de Janeiro e no Paraguai, assim como as ligações de Flávio Bolsonaro com a Precisa.

Constipação econômica. Nesta semana, o Boletim Focus do Banco Central aponta uma elevação das expectativas de crescimento do PIB, da inflação e da taxa de juros para o ano. Mas a saúde econômica do país não está melhor que a de Bolsonaro. Pior, ela está nas mãos de um médico chamado Paulo Guedes. A tão falada recuperação anda a passos lentos e de maneira desigual. Evidentemente, os mais pobres continuarão sendo penalizados. Associações de produtores preveem que o preço da carne suína, do frango e dos ovos continuarão subindo. O setor de serviços deu sinal de vida, com dois meses seguidos de recuperação, mas o acumulado dos últimos doze meses ainda é negativo. E no setor industrial, as coisas também não vão bem: algumas empresas do setor automobilístico têm paralisado a produção por falta de insumos e equipamentos. Bem mesmo, só o agronegócio, que bateu recorde de 12 bilhões de dólares nas exportações em junho. Daí se entende porque o governo se sente à vontade para deixar de divulgar os dados sobre as queimadas no país que destroem florestas e expandem a fronteira agrícola. Mas todas as perspectivas positivas esbarram nos limites da crise energética. Já há cálculos que apontam que um apagão será incontornável se houver crescimento econômico e se as chuvas ficarem abaixo da média. Mas o ministro da Economia não anda muito preocupado com essas questões e prefere continuar apostando nas privatizações. Bolsonaro já sancionou a privatização da Eletrobras e afirmou recentemente que não foi “totalmente convertido” pela ideia de Guedes de privatizar a Caixa. Entenda-se com isso o que quiser. As mudanças no Imposto de Renda propostas pelo governo estão tramitando na Câmara, mas contam com a oposição dos Secretários da Fazenda dos estados que calculam uma perda de R$ 27 bilhões para estados e municípios. O tema da tributação sobre dividendos também vem gerando dissensos. Por outro lado, por convicção ou por falta de habilidade, Paulo Guedes vem comprando brigas com alguns setores empresariais. Ele conseguiu prejudicar a construção civil ao dar um spoiler indevido durante uma live sobre o congelamento do preço do aço. Como se vê, para o governo a recuperação econômica está garantida pois será fruto de geração espontânea.

Ponto Final: nossas recomendações.

A Vida secreta de Jair. Podcast do Uol esmiúça em quatro episódios os trinta anos de vida parlamentar e ações obscuras da família Bolsonaro e seu fiel assessor Fabricio Queiroz.

Empresários são os novos ídolos pop de um Brasil em crise e cada vez mais evangélico. Na BBC, como o neoliberalismo e o neopentecostalismo criaram uma base de fãs de empresários, alimentando o mito do empreendedorismo.

Exército é o único vendedor de bombas utilizadas por garimpeiros para atacar indígenas. Reportagem de Martha Raquel no Brasil de Fato comprova que garimpeiros ilegais de Roraima usam armas de uso exclusivo das Forças Armadas para atacar comunidades Yanomamis.

Os piores dados da fome em uma década. O mais importante relatório internacional sobre segurança alimentar constata que 10% da população do planeta é de famintos e, com a pandemia, 118 milhões de pessoas passaram a integrar a lista da fome no mundo.

Para pensar sobre o governo Biden: no Brasil de Fato, pesquisadores do Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil chamam a atenção para as políticas internas de aquecimento econômico motivadas pelo Estado e que podem estimular uma nova onda migratória do sul para o norte do continente. Na política externa, no Outras Palavras, Noam Chomsky alerta que nada mudou em relação a Cuba, Venezuela e Irã.

Animações de nuestra América. O canal de youtube do CineUsp disponibiliza até 15 de agosto curta metragens de animação sobre lutas, resistências e gênero no continente.



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Ponto é uma publicação do Brasil de Fato. Editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo




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