FESTAS, BARES, RESTAURANTE. O QUE SÃO EVENTOS ''SUPERDISSIMINADORES''?

Locais fechados e lotados, com comida e bebida - estas são as características que aumentam o risco de disseminação do vírus. Mesmo com máscara e distância social. A única medida eficaz é evitar estes eventos.

Festas são eventos "super-contangiosos"                      © Lillian SUWANRUMPHA / AFP

Meses após o início do surto de coronavírus, já são bem conhecidas as precauções a tomar: usar máscara, manter a distância de dois metros de outras pessoas, lavar bem as mãos. Apesar disto, as autoridades insistem em evitar os ajuntamentos e há atividades que continuam proibidas. Existe uma explicação: há eventos que são considerado "super-disseminadores" (superspreaders) pelos especialidades, pelo alto risco de contágio que implicam: festas de aniversário ou noitadas num bar, por exemplo - podem estar na origem de um grande número de casos de covid-19.

A BBC pediu a Abraar Karan, médico especialista em saúde pública da Harvard Medical School, que analisasse três casos diferentes desde que o surto de covid-19 começou os EUA para explicar como alguns eventos podem ser "superdisseminadores".

O que é um evento "superdisseminador"?

Num evento super-disseminador, o número de infeções transmitidas será desproporcionalmente alto em comparação com a transmissão geral, diz Karan. Além disso, esse risco pode ainda aumentar na presença de pessoas "super-disseminadoras", que transmitem sua infeção mais amplamente, por estarem em contacto com mais pessoas ou por emitirem mais vírus.

"Costumo pensar assim: a grande maioria das pessoas pode não infetar outras pessoas, e algumas pessoas em certas situações infetam muitas pessoas", explica o médico. "Uma pessoa pode infetar 10 pessoas, ou 15 pessoas ou 20 pessoas."

"Costumo pensar assim: a grande maioria das pessoas pode não infetar outras pessoas, e algumas pessoas em certas situações infetam muitas pessoas"

Karan diz que ainda estão a ser feitos estudos, mas os primeiros resultados indicam que a disseminação do coronavírus é causada principalmente por este tipo de eventos - onde 20% das pessoas representam 80% da disseminação.

Este especialista diz que existem certos fatores que devem acender um sinal vermelho: "Se tiver algumas dos seguintes características combinadas: ambientes fechados, lotados, sem nenhum tipo de equipamento de proteção individual, como máscaras, ou tendo máscaras mas retirando-as para comer - acho que são eventos de alto risco", diz.

Vejamos os três exemplos, ocorridos nos Estados Unidos:

Ensaio do coro

Os 61 membros de um grupo de coral em Mount Vernon, no Condado de Skagit, Washington, reuniam-se semanalmente para ensaiar. Os ensaios demoravam habitualmente duas horas e meia. Em março, no início do surto dos EUA, uma das pessoas do coro revelou sintomas de gripe.

Dias depois, após as análises realizadas no Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, foram identificados 53 casos de covid-19 - pu seja, 87% das pessoas que se reuniram para cantar apanharam o vírus. Dois membros do grupo viriam a morrer.

O que aconteceu?

Durante o ensaio de 10 de março, as cadeiras foram organizadas em seis filas de 20 cadeiras cada, espaçadas de 6 a 10 polegadas, de acordo com um relatório do CDC. Os membros ocuparam os seus lugares habituais de ensaio. No intervalo de 15 minutos, algumas pessoas partilharam os seus lanches, como costumavam fazer, embora nenhum membro tenha relatado contacto físico entre os presentes.

Em Espanha: ensaio de um coro seguindo as novas regras de saúde
© MIGUEL RIOPA / AFP

Neste caso, o principal fator provavelmente é a razão da reunião do grupo: cantar. Quando se canta, tal como quando se fala alto ou grita, gotículas respiratórias são expelidas da boca e do nariz.

"Quando uma pessoa respira profundamente pelas vias aéreas, produz mais aerossóis, gotas menores que podem ficar a pairar no ar", explica Karan.

No ensaio do coro, o membro doente deve ter expelido essas gotículas enquanto ensaiavam, e elas ficaram a paiar no ar enquanto todos cantavam e socializavam durante mais de duas horas.

Festa de aniversário

A 30 de maio, a família Barbosa reuniu-se para uma festa surpresa de aniversário em Carollton, no norte do Texas. Eram 25 pessoas. Embora não o soubesse, o anfitrião estava infetado com coronavírus.

Até ao final de junho, Chance O'Shel, membro da família, disse que oito familiares e 10 amigos da família haviam contraído o vírus, incluindo os avós Frank e Carole Barbosa, que tinha quase 68 anos. Tanto Frank quanto Carole Barbosa foram hospitalizados mais tarde e, a 1 de julho, Frank Barbosa morreu.

"Eles foram muito cautelosos, mas isso não impediu que a minha avó, o meu avó e a minha tia fosse parar ao hospital", disse O'Shel.

O que aconteceu?

Para o dr. Karan, uma festa de aniversário semelhante à da família Barbosa tem todos os ingredientes para ser um evento "super-disseminador".

"Se se estiver numa festa de aniversário dentro de casa é inevitável muito contacto entre as pessoas", diz. "Também há pessoas na fila para usar a casa-de-banho", reunindo-se em pequenos corredores onde o distanciamento social é impossível.

À medida que as pessoas bebem e comem, surgem mais problemas. Primeiro, é impossível usa uma cobertura facial enquanto come se - permitindo uma propagação mais fácil do vírus. Em segundo lugar, se os convidados da festa começarem a beber, é mais provável que desleixem ou ignorem as regras sobre o distanciamento social.

"Pedimos às pessoas que mudem os seus comportamentos, que façam coisas que não são naturais para elas", para ajudar a conter a disseminação, diz Karan. "Mas se se consumir álcool é mais provável que as pessoas voltem ao seu comportamento normal, pois ficam menos inibidas e esquecem-se."

Também é importante perceber quem foi infectado inicialmente, explica. Quando o caso principal é alguém central na reunião, alguém familiarizado com os convidados - como o anfitrião de uma festa, como foi o caso do aniversário de Barbosa - é provável que o vírus chegue a mais pessoas.

Restaurante e bar

A 8 de junho, os proprietários do Harper's Restaurant and Brew Pub, em East Lansing, Michigan - um restaurante com uma sala grande e um espaço ao ar livre - abriram suas portas após semanas encerradas devido à covid-19. Os gerentes cumpriram todas as regras: as mesas tinham uma distância entre si de 1,80 metros e a capacidade foi limitada a cerca de metade da habitual, permitindo aproximadamente 225 clientes.

Um bar é um local de risco                                      © Lillian SUWANRUMPHA / AFP

Mas a partir de 2 de julho, 152 infeções foram registadas em 13 municípios de Michigan ligadas ao Harper's. Desses casos, 128 pessoas disseram que tinham estado no restaurante entre 12 e 20 de junho, e os outros são contactos próximos daqueles que o fizeram.

O que aconteceu?

Ir a um bar ou a um restaurante fechado pode ser "um território arriscado, explica Karan. Tal como na festa de aniversário, a comida é um fator de risco:"Quando as pessoas comem não usam máscaras, mastigam e conversam, e ficam cara a cara, frente a frente", diz o médico, permitindo que gotículas sejam transmitidas entre os convidados.

Além disso, se houver uma música alta ou o local tiver muitas pessoas, a audição é dificultada e as pessoas têm de falar mais alto, o que também aumenta o risco

As altas temperaturas que vêm com o verão acrescentam mais uma complicação, diz. "Há alguma evidência de que os aparelhos de ar condicionado podem contribuir para a propagação, potencialmente disseminando gotículas ao longo da tubagem do aparelho".

Acrescente-se o uso de casas de banho públicas e vários ponto de grande contacto, como maçanetas, e tem-se aqui tem um enorme potencial de disseminação do vírus.

"Eu acho que tomar precauções é importante", diz Karan. "Mas no fim de contas, não importa quantas precauções se tome, algumas situação são simplesmente de alto risco" - a única solução é mesmo evitar estes eventos "super-disseminadores".

Seja ou não por "culpa" de eventos como estes, a verdade é que muitos países tiveram nas últimas semanas de voltar a pôr em confinamentos algumas regiões. Hoje foi a Catalunha a voltar a confinar 200 mil pessoas devido a um surto na zona de Lérida. Também no Reino Unido, na Alemanha ou na Austrália foram decretados isolamentos parciais de regiões ou cidades. Portugal não é exceção e se a maioria do país está neste momento em situação de alerta, com medidas muito menos restritivas, há 19 freguesias da zona da Grande Lisboa que continuam em estado de calamidade devido a novos surtos de covid-19.

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