SEXO NO OCEANO: BIZARRICES E CURIOSIDADES


O oceano é provavelmente o maior motel que existe: o tempo todo, milhões de espécies fazem sexo nele. E esse sexo é bem bizarro e diferente do que acontece em terra firme.

Talvez mais importante, nós (sim, sempre os seres humanos com suas intrusões) acabamos impactando toda essa ação sensual e isso pode ser péssimo para o meio ambiente.

Em uma excelente (e hilária) palestra no formato TED Talk, a bióloga marinha Marah J. Hardt contou algumas curiosidades sobre a maluca vida sexual oceânica, explicou como as pessoas podem afetá-la e o que podemos fazer para proteger as futuras gerações de peixes.

Mudanças de sexo

É mais provável que você não saiba disso, mas diversas espécies oceânicas simplesmente mudam de sexo. Estilo “cansei de ser fêmea, agora serei macho” e vice-versa.

Por exemplo, o peixe-papagaio. Todo peixe-papagaio nasce fêmea, desse jeito:


Mais tarde na vida, quando já estiver de saco cheio de lutar contra o patriarcado, o peixe pode simplesmente fazer a transição para macho e ficar assim:


Como bem disse Hardt, não se trata apenas de uma espetacular troca de guarda-roupa. O corpo do peixe reabsorve seus ovários e desenvolve testículos, sem necessidade de cirurgia de troca de sexo. Vai me dizer que isso não é impressionante?

E o papagaio não está sozinho nesta. Ostras, garoupas, camarões e peixes-palhaços são somente mais alguns poucos exemplos de animais que podem trocar de sexo quando necessário.

Este último, famoso por sua aparição na animação “Procurando Nemo”, nasce sempre macho e pode se tornar fêmea mais tarde na vida. Ou seja, na vida real, quando a mãe de Nemo morresse, seu pai, Marlin, provavelmente teria virado Marlene. Você decide se quer perdoar a Pixar por essa licença poética com o enredo ou não.

Bom, já vimos que a mudança de sexo no oceano pode acontecer em qualquer direção e, em certos casos, até diversas vezes. Mas essa é só uma de diversas estratégias de embasbacar que os animais usam para se reproduzirem no oceano.

Chuva de ouro

Vamos pegar a lagosta-do-Maine. Ela é bem básica: durante a época do acasalamento, procura os maiores machos para fazer amor. Só que eles são muito agressivos e atacam qualquer um que se aproxime, macho ou fêmea (ai ai ai…).


Curiosamente, o melhor período para a fêmea se acasalar é imediatamente após a muda, quando ela perde a carapaça, que é também quando ela está mais vulnerável. Como se aproximar desse cara agressivo, então?

Borrifar, repetidamente, sua urina na cara dele. Sim, chuva de ouro rola até no fundo do mar, e funciona perfeitamente com os mais machões possíveis. Ao que tudo indica, o xixi é uma poção do amor muito poderosa.

Convenientemente, a bexiga da lagosta fica bem acima do cérebro, e ela usa dois esguichos abaixo dos olhos para lançar um fluxo de urina assim que o macho sai de sua caverna (e depois corre de lá como uma louca, claro).

Alguns dias dessa dose diária são suficientes para seu cheiro ter um efeito transformador. De agressivo, o macho se transforma num amante gentil. Dentro de uma semana, ele convida a fêmea para sua caverna e o resto você já sabe.
Você foi eliminado (menos seu testículo, dá ele aqui)

A lagosta é uma espécie que conhecemos bem, pois vive no raso, perto da praia. Se esse tipo de safadeza ocorre tão perto de nós, o que será que acontece lá no fundão do mar, onde tudo é mais difícil e estratégias completamente doidas de sobrevivência existem?

Por exemplo, o peixe-pescador-das-profundezas vive a cerca de mil metros de profundidade em águas escuríssimas. O macho dessa espécie nasce sem a capacidade de se alimentar sozinho. Ou seja, para sobreviver, ele precisa de uma fêmea.

Essa fêmea é nada menos do que dez vezes maior do que o macho. Ela também libera um forte feromônio para atrai-lo.


Isso funciona perfeitamente: o pequeno macho já está nadando rapidamente em meio a essas águas escuras farejando compulsivamente seu caminho até uma fêmea. Quando a encontra, ele lhe dá uma mordida amorosa.

E é aí que a coisa fica realmente bizarra. Os dois meio que se “juntam”. A mordida amorosa estimula uma reação química em que a mandíbula do macho começa a se desintegrar e os dois corpos a se fundir. O sistema circulatório deles se entrelaça, e todos os órgãos internos do macho começam a se dissolver – exceto os testículos.

É isso mesmo que você entendeu: no fim das contas, o macho vira praticamente uma fábrica anexa permanente de esperma, sob demanda, para a fêmea. É um sistema muito eficiente.


(Por que será que não existe essa opção entre os seres humanos, né? Talvez uma falha da evolução).
Conservação

É importante observar que toda essa informação sexy não serve apenas para você lançar alguns fatos curiosos nas mesas de bar.

Quer você perceba isso ou não, precisamos do oceano para muitas coisas, e entender como as espécies que vivem nele se reproduzem é essencial para conservá-lo.


“Dependemos dos peixes para ajudar a alimentar mais de 2 bilhões de pessoas no planeta. Precisamos de milhões de ostras e corais para construir recifes gigantes que protejam nossas praias de tempestades e da elevação das marés. Dependemos de compostos medicinais presentes nos animais marinhos para combater o câncer e outras doenças. E, para muitos de nós, é na diversidade e na beleza dos oceanos que buscamos o lazer, o relaxamento e nossa herança cultural. Para continuarmos a usufruir da abundância que a vida marinha nos provê, o peixe, o coral e o camarão de hoje precisam produzir o peixe, o camarão e o coral de amanhã”, afirma Hardt.

Para que as espécies continuem se reproduzindo, elas precisam fazer muito sexo e até pouco tempo atrás não tínhamos ideia de como era o sexo no mar.

É muito difícil estudá-lo, mas, graças a avanços científicos e tecnológicos, hoje sabemos mais do que antes. E sabemos principalmente que nossas ações estão causando verdadeiros problemas no vai-e-vem amoroso dos mares.

Lembra daqueles peixes que trocam de sexo? Em muitos lugares do mundo, há regras pesqueiras que definem um tamanho mínimo para o peixe que pode ser pescado. Ou seja, é proibido pegar os pequenininhos. Isso permite que os bebês cresçam e se reproduzam antes de serem pegos.

Só que no caso do peixe-papagaio, ou de qualquer um que mude de sexo, pescar o maior significa pescar todos os machos. Para a fêmea, isso dificulta encontrar um parceiro, ou a força a mudar de sexo mais cedo, em um tamanho menor. As duas situações podem resultar em menos bebês no futuro.

Ou seja, o desafio para definir regras de pesca não é pensar soluções que favoreçam simplesmente o sexo, mas sim saber quais soluções aplicar para quais espécies, porque mesmo animais que conhecemos muito bem nos surpreendem quando se trata de sua vida sexual.

Lembra da lagosta adepta à chuva de ouro? Sua urina carrega um sinal químico crítico que só funciona porque consegue passar através da água do mar. Acontece que a mudança climática está tornando nossos oceanos mais ácidos e isso pode atrapalhar a mensagem (ou danificar os receptores olfativos dos machos).

E se você pensa que só atrapalhamos a reprodução marinha sem querer, não é bem assim.

Três anos atrás, descobrimos uma nova espécie de polvo das profundezas em que as fêmeas colocam seus ovos em esponjas grudadas em pedras que ficam a mais de quatro quilômetros de profundidade. Essas rochas contêm minerais raros, e já existem empresas construindo escavadeiras capazes de extrai-los. Acontece que não virão somente os minerais, não é mesmo? Mas também todas as esponjas e os ovos dos polvos.


O que eu posso fazer para ajudar?

Cientes ou não disso, estamos impedindo o sexo e a reprodução no fundo do mar.

“Estamos muito mais conectados ao oceano do que imaginamos, não importa onde vivemos. E esse nível de intimidade requer um novo relacionamento com o oceano. Um que reconheça e respeite a enorme diversidade da vida e suas limitações. Por ser um relacionamento de mão dupla, os oceanos somente poderão continuar a prover para nós se, em retorno, resguardarmos esta força fundamental da vida no mar: sexo e reprodução. Assim, como em qualquer relacionamento, temos de adotar mudanças para que a parceria funcione”, pediu Hardt.

Aqui vão algumas dicas do que você pode fazer para ajudar, mesmo que minimamente, a conservar a saúde do oceano:

Quando quiser comer frutos do mar, prefira produtos que venham de pesca sustentável ou espécies criadas em cativeiro que sejam locais e de um nível baixo na cadeia alimentar, como ostras, mariscos, mexilhões e peixinhos como a cavala. Estes se reproduzem loucamente e, com bom manejo, resistem bem à pressão pesqueira;

Repense os produtos químicos que você usa para tomar banho, limpar a casa e cuidar de seus gramados. Todos acabam sendo levados para o mar e atrapalham a química natural do oceano;
Nas comunidades onde você vive, nos lugares onde trabalha e no país em que vota, tenha e exija atitudes corajosas sobre a mudança climática agora.

Obviamente, a indústria também tem de fazer seu papel e adotar uma abordagem preventiva, protegendo a atividade sexual onde sabemos que ela existe e evitando danos nos casos em que não sabemos o suficiente, como no mar profundo.

E o governo precisa lutar pelas soluções que sabemos que ainda existem para a mudança climática. O tempo está correndo para todos os animais que dependem da temperatura e da química certa para um bom desempenho sexual.

Enquanto esse é um problema que parece enorme como o próprio oceano, lembre-se de que a natureza está do nosso lado: os animais querem se reproduzir. Alguns tubarões e arraias fêmeas, quando não conseguem encontrar um macho, se reproduzem sozinhas, coisa que só a Virgem Maria conseguiu aqui na Terra. Fascinante. Infelizmente, essa estratégia não salva as espécies a longo prazo, uma vez que o sexo é necessário para a diversidade genética, mas a tática ganha tempo para a população.

Isso mostra que os animais estão fazendo sua parte. Imaginem se fizéssemos a nossa?
Vídeo

Aos 17 anos, Marah Hardt deixou o ensino médio mais cedo para estudar tubarões nas Bahamas. Lá, ela percebeu que nossos oceanos enfrentam sérios desafios e que os cientistas são (geralmente) péssimos em comunicá-los.

Foi isso que inspirou sua carreira em conservação e comunicação marinha. Hoje, Hardt, que é doutora em ciências marinhas, trabalha em soluções para pesca excessiva, mudanças climáticas e a crise dos recifes de coral.


Ela é fundadora e CEO da OceanInk e diretora do Future of Fish, bem como autora do livro “Sex in the Sea” (2015).

Você pode conferir sua palestra na íntegra em inglês com legendas abaixo:


Por Natasha Romanzoti                                                https://hypescience.com/


GAZETA SANTA CÂNDIDA, JORNAL QUE TEM O QUE FALAR

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