''NO BRASIL TODO MUNDO É PEIXOTO''

(Imagem: Adriano Machado | Reuters)

Anderson Pires*

“No Brasil todo mundo é Peixoto.” Esta frase, dita pelo personagem Werneck, na peça de Nelson Rodrigues “Bonitinha, mas ordinária”, é uma síntese do que representa a família brasileira e a moral que carrega. Em outro trecho da peça, a fragilidade dessa moral se explicita, quando diz: “Toda família tem um momento em que começa a apodrecer. Pode ser a família mais decente, mais digna do mundo. Lá um dia aparece um tio pederasta, uma irmã lésbica, um pai ladrão, um cunhado louco. Tudo ao mesmo tempo”. E conclui: “A família é o inferno de todos nós”.

Não sou fã de Nelson Rodrigues, no que se refere ao posicionamento político e ideológico, mas como autor e conhecedor da essência do Brasil foi um dos maiores gênios que tivemos. Apesar de não ter sido um progressista, sua capacidade de expor as vísceras da sociedade e de questionar a moral brasileira, construiu narrativas, cujas análises sociológicas, estão a nos dever alguns intelectuais da esquerda. Talvez, pela sua liberdade artística e por não ter compromissos com preceitos acadêmicos ou intelectuais, tenha dito com pitadas de preconceito verdades que hoje se enquadram perfeitamente aos episódios que o Brasil vive. Depois de quase sessenta anos do lançamento da peça o texto continua em voga, quase irretocável.

A grande Família Brasil assumiu o sobrenome Bolsonaro, com uma parentalha de ilustres Dórias, Witzels, Zemas, Moros e outros de menor relevância que ocuparam o comando do país.

Saíram os Silvas e entraram aqueles que diziam ser o antagonismo do que atacavam com muita moral e pouca ética. O discurso da Família, Deus e Valores Conservadores parecia a salvação de um povo que tinha sido entregue à falta de rumo e desviado da palavra divina.

Essa nova família voltou a bradar algo que parecia em desuso: preceitos do cristianismo. Com isso, uma legião de extrema-direita que se sentia acuada voltou a gritar em alto e bom som odes a desumanidade, a exemplo da apologia ao racismo, homofobia, repressão a sexualidade, ódio de classe, ataques as minorias, degradação do meio ambiente, exploração aos trabalhadores, opressão à mulher e todo um corolário de temas que estariam justificados no resgate dos valores conservadores da família, combate à corrupção e limpeza do Estado.

Porém, como disse Nelson Rodrigues, “Toda família tem um momento que começa a apodrecer”. Na verdade, toda família tem um momento que os podres começam a aparecer. A família Bolsonaro, assim como todas, carrega virtudes e maldades. Conforme a moral que seguem, flexibilizam valores.

O que diferencia umas das outras é a proporção, a forma como lidam com seus podres e os impactos que podem gerar para além dos familiares. A sujeira que os seguidores do presidente achavam que poderiam esconder, usando um conjunto de políticos com discurso moralista como anteparo, espalhou-se mais rápido do que se imaginava, seja pela prática de corrupção ou até escândalos envolvendo milícias. Chegou cedo a hora que o inferno se manifestou.

Muitos daqueles que abonaram e por adoção passaram a integrar essa família, agora tentam mudar de sobrenome para parecerem isentos. Enquanto o Presidente propaga que a morte é algo banal, seus ex-familiares, promovem práticas que diziam combater.

O Witzel que foi eleito abraçado a Bolsonaro, fazendo juras de fidelidade e amor, tem um governo em que o desvio de recursos públicos destinados ao combate à pandemia do coronavírus virou prática cotidiana. A Polícia Federal lhe fez uma visita para busca e apreensão: “bom dia, o Peixoto está? É a polícia”. A resposta veio no discurso conveniente de perplexidade e que estaria sendo vítima de perseguição política. Tão clichê, né?

Em meio ao pânico que estamos vivendo, por conta de uma doença que já tirou milhares de vidas, a família Bolsonaro é a protagonista de uma série de denúncias de crimes praticados antes e durante o mandato do patriarca como presidente.

A começar pela intervenção política na Polícia Federal, que tem como pano de fundo manipular investigações que podem chegar a seus filhos por envolvimento com milícias, desvio de recursos, enriquecimento ilícito, apropriação de salários e a famigerada rede de produção de fake news, tudo com uso de dinheiro público ou de empresários parceiros, que costumam ser recompensados com decisões favoráveis do Governo.

A solidariedade que poderia aflorar diante do câncer que estamos vivendo, com tantas mortes e parte da população passando as piores dificuldades, até agora não foi vista. O momento tem servido de cortina de fumaça para fazerem ainda mais maldades. Parece absurdo, mas não se pode esperar atitudes humanas de quem não tem apreço algum pelo seu semelhante.

A empatia é um sentimento ausente nessa família da qual milhões de brasileiros fazem parte.

Os podres familiares apareceram cedo, mas nem por isso lhes fez ter vergonha. Está aí o maior perigo. Se conseguiram chegar ao poder amparados pela moral, agora fazem escárnio deixando claro que aquele papel não lhes cabe mais. Agem como criminosos sem nenhum código delimitador. Na verdade, são amorais que quando questionados têm a resposta sempre pronta: “é isso mesmo, qual o problema Seu Comunista Safado?”.

*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário e cozinheiro.

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