HISTÓRIA DO SENADOR QUE ASSASSINOU A FILHA E TIROU A PRÓPRIA VIDA

Senador que assassinou a filha e cometeu suicídio: movido por rancor e preconceito, o político escandalizou o Brasil ao realizar o crime a sangue frio

        Rua Benjamin Constant, onde ficava a Mansão Peixoto Gomide

Texto de Renato Savarese e Wilson Cocchi

Na capital de São Paulo, é comum a população encontrar diversos monumentos com o nome Peixoto Gomide. Ele foi presidente do Senado do Estado, equivalente a atual posição de governador, e ficou conhecido por ser um político conceituado. Porém, o senador também foi autor de um dos crimes mais famosos do país.

O cenário ocorreu em um casarão do centro de São Paulo, especificamente na rua da Princesa, atual Benjamin Constant, nas proximidades da Sé e do Largo São Francisco, um dos locais mais rebuscados da capital.

Festas dignas da nobreza européia — com muito champanhe francês, caviar e valsas vienenses — encantavam a vizinhança, que se reunia na calçada para acompanhar a chegada dos convivas. Em 20 de janeiro de 1906, uma pequena multidão voltou a se formar na frente da casa, mas por uma razão nada festiva.

Na tarde daquele mesmo dia, Frascisco de Assis Peixoto Gomide, de 56 anos, assassinou sua filha, Sophia, de 22. A notícia se espalhou rapidamente e os políticos do país e a própria família de Gomide chegaram ao local do crime. Considerado uma pessoa equilibrada por muitos, sua atitude causou uma perturbação na sociedade.

Segundo depoimentos de empregados, pai e filha conversavam na sala de jantar, tendo sido interrompidos duas vezes por uma cozinheira — na primeira para levar um chá com torradas e na outra para apanhar a louça. Sentada à mesa, a moça bordava um lençol, enquanto o senador andava de um lado para o outro inquieto. Ele parou e encostou um revólver Smith & Wesson na testa de Sophia.

Peixoto Gomide

— O que é isso, meu pai? espantou-se a garota.

— Não é nada. Respondeu o senador, apertando o gatilho em seguida.

O impacto fez com que a moça fosse jogada pra trás, rolando pelo chão. Sua morte foi instantânea. Com o barulho, apareceram na sala a mulher de Peixoto Gomide, Ambrosina, dois de seus filhos, Gnesa e Alceu, e uma criada. Mudo, o senador mantinha o braço estendido, como se estivesse escolhendo uma nova vítima.

Chegou a apontar a arma para Gnesa, mas a empregada, aos gritos, o convenceu a baixar o revólver. Em seguida, caminhou tranquilamente até a sala de visitas e encostou o Smith & Wesson no ouvido esquerdo e puxou o gatilho. A arma falhou. Então ele rodou o tambor e disparou de novo, caindo junto ao piano, mortalmente ferido.

Motivação

O pivô da tragédia, ao que tudo indica, foi o promotor público e poeta Manuel Baptista Cepelos. Ele se apaixonou por Sophia e pediu a um político do interior que intercedesse junto a Peixoto Gomide para namorar a garota. O senador não apenas permitiu, como, em 1905, reuniu os amigos para comunicar o casamento de Sophia com o promotor. A cerimônia seria em 27 de janeiro de 1906, mas os comentários maldosos o fizeram mudar de ideia.

“E não é que o Gomide vai casar a filha com um ex-soldado, um boêmio…um poeta”. Essa era a frase mais ouvida na cidade, segundo René Thiollier, autor do livro ‘Episódios da minha Vida’. A fama do futuro genro infernizava o senador, que passou a ser alvo de chacotas. Colegas do Senado e pessoas que o encontravam na rua maldiziam o ofício de fazer poesia.

Peixoto Gomide era do tempo em que a palavra empenhada valia mais do que o documento assinado. Por isso preferiu matar Sophia e se suicidar a ter de recuar em sua decisão.

Segundo o jornalista Roberto Pompeu de Toledo, autor do livro A capital da vertigem, uma história de São Paulo de 1900 a 1954, na véspera do assassinato e de sua morte, Peixoto, depois de uma noite mal dormida, amanheceu melancólico e não trocou muitas palavras com seus familiares.

“Nos últimos dias, o senador vinha mostrando sinais de nervosismo, e teria confidenciado a amigos que não suportava a ideia de separar-se da filha. Chegara inclusive a procurar, no sanatório do Juqueri, o psiquiatra Franco da Rocha, a quem confessara suas apreensões. Outra versão, não publicada por nenhum jornal, mas que pairaria sobre o caso pelos anos vindouros, é a de que Peixoto Gomide seria pai de Batista Cepelos, fruto de um relacionamento fora do casamento. Incapaz de confessá-lo, teria escolhido a via mais drástica para impedir o casamento”, escreveu em seu livro.



O jornalista e pesquisador Geraldo Gomes Gattolini acrescentou outros detalhes de um dos maiores mistérios da história brasileira. Antes da catástrofe de 1906, Peixoto fez o possível para fazer com que a filha terminasse o namoro com o promotor e poeta Batista Cepelos. Não contente com a opinião do pai, a garota decidiu continuar o relacionamento e decidiu que casaria a qualquer custo.
A tragédia do poeta Cepelos

Natural de Cotia, na Grande São Paulo, onde nasceu em 10 de dezembro de 1872, Manuel Baptista Cepelos teve uma infância humilde. Filho do professor primário João Baptista Cepelos, ele trabalhou em serviços rudes, foi um autodidata e sempre acalentou o sonho de ser um poeta famoso.

Ao mesmo tempo em que cumpria as suas obrigações como soldado do Corpo Municipal Permanente — transformado em Força Pública — exercitava a arte de escrever poesias. Dedicado, galgou rapidamente o posto de capitão.

Mas não era suficiente para ele, um homem ambicioso. Matriculou-se no Anexo da Faculdade de Direito do Largo São Francisco em 1895, onde estudou, entre outros, com Bruno Peixoto Gomide, irmão de Sophia.

Formou-se e, como não conseguiu fazer carreira como advogado na capital, ingressou no Ministério Público. Foi promotor em Ipiaí, Sarapuí, e, no inicio de 1906, transferido para a Comarca de Itapetininga, que na época era uma das mais importantes de São Paulo. Não pode comparecer ao enterro da namorada e do pai dela por estar em meio a um julgamento no interior.

Enquanto analisava processos, Baptista Cepelos construía sua obra literária, era o poeta preferido de Olavo Bilac. O ‘Diário Popular’ foi o primeiro jornal a aproveitar uma de suas poesias. Publicou ‘Noite de Natal’ em 1892, ano em que era delegado de polícia em Santa Rita do Passa Quatro.

Desgostoso com a morte de Sophia, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde nunca conseguiu se firmar profissionalmente. Teve até de vender os seus livros de porta em porta, para pagar casa e comida. Em 7 de maio de 1915, suicidou-se saltando de uma pedreira na rua Pedro Américo, na Lapa.

NOITE DE NATAL

Oh, noite bela! O céu sereno
Tem o azulado manto pleno
de estrelas, Noite Triunfal.
Recorta o azul, a meiga lua
Gôndola branca que flutua
No etéreo oceano sideral.
(Trecho do poema de Manuel Baptista Cepelos).

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