NEY MATOGROSSO DIZ QUE NINGUÉM PODE COBRÁ-LO POR MAIS ATIVISMO: 'EU SOU A BANDEIRA, EU NÃO PRECISO CARREGAR UMA'

Dizem que não carrego a bandeira, mas a bandeira sou eu', diz Ney Matogrosso sobre movimento gay

Laís Alegretti - @laisalegrettiDa BBC News Brasil em Londres  

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ELISA KRIEZIS/BBC
 Ney Matogrosso diz que ninguém pode cobrá-lo por mais ativismo: 'Eu sou a bandeira, eu não preciso carregar uma'.

O único momento em que Ney Matogrosso mostra fragilidade é quando reclama do frio em Londres.

"Não é meu hábito ficar com tanta roupa em cima", diz, numa tarde que o termômetro marca 10ºC.

Ney responde aos que o cobram por mais protagonismo no movimento gay: "Dizem que eu não carrego a bandeira. A bandeira sou eu."

Também critica a postura do presidente Jair Bolsonaro em relação à homossexualidade. "Temos um presidente que acha que pode determinar a sexualidade das pessoas", diz. "Isso é uma tolice, porque não adianta querer reprimir. As pessoas continuarão nascendo. E isso não é uma questão de opção."

Em Londres para o primeiro show na cidade depois de 46 anos de carreira, Ney Matogrosso concedeu entrevista à BBC News Brasil no hotel e falou sobre a relação com o pai, ditadura militar, política e redes sociais.

Ney, que se define no perfil do Instagram como "um artista brasileiro", diz que não é das redes sociais, mas que está "mais bonzinho" e agora responde alguns comentários. "Eu sou muito lacônico. E as pessoas reclamam, mas eu não estou ali pra conversar", diz.

A respeito da música brasileira, diz que o funk tem um ritmo que é uma delícia e letras bobas. No sertanejo, "música sensação", é tudo igual: "todos cantam parecido, os temas são os mesmos, todo mundo com dor de cotovelo e sofrendo. Eu não tenho a ver com esse pensamento de sofrimento."


Para ele, que já completou 78 anos e há tempos diz que o Brasil está mais careta do que era antes, o povo brasileiro é bonito, gostoso e gosta de se exibir. No entanto, diz que o país vive "um retrocesso assustador".

Sobre a forma que deseja ser lembrado, ele vai direto ao ponto: "Quero que as pessoas se lembrem que a minha vida inteira eu lutei pela liberdade e não admito viver com menos que isso."

A seguir, os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil - Você contou que veio em 1975 para Londres. O que mudou na cidade nesse tempo?

Ney Matogrosso - Eu me lembro que achei a cidade outra coisa. Não era uma província porque Londres, nos tempos modernos, é Londres. Mas era diferente. Minha sensação, chegando, é que todos são muito simpáticos, muito receptivos, coisa que eu não achava.

BBC News Brasil - Você disse que o que assustou, por enquanto, foi o frio.

Ney Matogrosso - É, eu tenho muito medo de frio. Eu sou muito acostumado com calor, com pouca roupa. Então ficar vestido demais - me visto, claro, porque não vou dar mole - mas não é meu hábito ficar com tanta roupa em cima.

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'Não é meu hábito ficar com tanta roupa em cima', diz, durante o outono em Londres.

BBC News Brasil - Muita gente gosta de fazer comparação do Brasil com outros países e outros rejeitam, porque cada um tem sua história. Você acha que o Brasil tem o que aprender com exemplos no exterior?

Ney Matogrosso - Estamos voltando para uma era, talvez, de subdesenvolvido. Tudo de bom que a gente tinha aprendido foi desaprendido. Estamos em um retrocesso assustador no Brasil, em todos os sentidos. Saúde, educação, tecnologia, ciência, para falar de poucas coisas. Tá muito estranho.

BBC News Brasil - Você costuma dizer que o Brasil está mais careta do que era antes...

Ney Matogrosso - Sim. O que provocou esse retrocesso, nesse sentido, foi a Aids. Porque havia uma liberdade comportamental no Brasil. Vou fazer uma comparação: na Alemanha, as pessoas tomam banho nuas nas lagoas - homens, mulheres, crianças - e nessa época eu via, numa praia ao lado do Arpoador, as aeromoças de voos internacionais faziam topless e trocavam de roupa na frente de todo mundo e ninguém se assustava. Era uma coisa normal.

Até que veio a ditadura e a ditadura cortou. Isso eles foram em cima. Se continuasse naquela batida, não sei onde estaríamos. Talvez mais avançados que a Alemanha nesse sentido. Porque (o brasileiro) é um povo bonito, gostoso, e que gosta de se exibir.

A Aids que cortou, foi o grande obstáculo. Imagina, mexeu com a sexualidade das pessoas.

BBC News Brasil - Você é cobrado por mais protagonismo no movimento gay. Tem declarações suas de que existe uma coisa muito ligada ao consumo. Explica isso...

Ney Matogrosso - Olha, primeiro que ninguém pode me cobrar isso. Eles dizem que eu não carrego a bandeira. A bandeira sou eu. Ou não sou? Eu sou a bandeira, eu não preciso carregar uma. A minha maneira de pensar, de me comunicar, de me apresentar. Eu sou a bandeira. Parem de me cobrar isso porque isso não tem fundamento.

Quando falo isso da coisa capitalista, eu digo que as paradas gays - na verdade, não é nem as paradas gays, mas a aceitação maior dos gays no país - e agora há um retrocesso nisso também -, mas era assim. Gay é fonte de renda, é uma coisa internacional que se aponta para o Brasil, que sempre foi uma meca. Eu morei no Rio de Janeiro na década de 1950 e já era meca. No verão, gays do mundo inteiro se dirigiam para o Rio de Janeiro.

BBC News Brasil - E como isso está mudando?


Ney Matogrosso - Está mudando porque temos um presidente que acha que pode determinar a sexualidade das pessoas. Isso é uma tolice, porque não adianta querer reprimir. As pessoas continuarão nascendo. E isso não é uma questão de opção, isso você não escolhe ser - a não ser que ele ache um meio de determinar os que vão nascer e os que não vão nascer. Fora isso, não tem como controlar isso.

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Ney Matogrosso no primeiro show da carreira em Londres

BBC News Brasil - Sobre a relação com seu pai, que você diz que é a maior autoridade que você já enfrentou, como era essa autoridade dele e como se desenvolveu a relação de vocês?

Ney Matogrosso - Meu pai era militar. Agora eu vou falar de uma fase da minha vida que durou até os 17 anos e depois eu me livrei disso. Eu não falo isso falando mal do meu pai. Ele era militar e me tratava como se eu fosse um recruta. Ele me acordava de manhã cedo no inverno arrancando a coberta de cima de mim. Eu tinha ódio.


BBC News Brasil - Vem daí o trauma do frio?


Ney Matogrosso - Talvez seja. Eu tinha ódio dele. Fomos inimigos até os 17 anos e depois tivemos o tempo de um reencontro, que foi muito interessante. Porque, quando ele morreu, eu era o confidente dele, a pessoa que ele pedia desculpa por ter educado os filhos de uma maneira e as filhas de outra. Eu disse para ele: 'olha, pai, por mim você não se preocupe, porque eu não tô nessa mais, isso tudo é passado'. Já tinha sido resolvido. Eu já tinha resolvido comigo mesmo e com relação a ele também.

Eu tive o entendimento de que ele era uma reprodução, a sociedade é assim, vai encucando nos filhos as coisas que elas acreditam e as pessoas vão reproduzindo. E contra isso eu me rebelei e eu cortei essa cadeia de mim. Eu não sou mais igual ao que eles eram, eu sou outra coisa. Mas eu tive que fazer algum tipo de terapia para isso, fiz uma chamada Fischer-Hoffman, em que você tinha que matar o seu pai e sua mãe para depois entender qual era a questão deles, a influência deles na sua vida. O xis da questão era o seguinte: se você reproduzir você não é você e se você se rebelar você não é você. Você tem que encontrar a criança que você seria.

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'Temos um presidente que acha que pode determinar a sexualidade das pessoas', diz Ney Matogrosso

BBC News Brasil - Você conta que "saía na porrada" com seu pai.


Ney Matogrosso - Sim, ele pegou uma arma de fogo. Eu tinha 17 anos, ele me colocou de castigo e eu disse 'não vou ficar de castigo' e saí. Aí ele foi atrás de mim com um revólver. Meu irmão correu pelo meio do mato e me avisou: olha, melhor você voltar porque ele está vindo armado. Aí eu voltei, porque não ia enfrentar um revólver. Aí eu voltei determinado a sair de casa.


BBC News Brasil - E a "porrada"?


Ney Matogrosso - Foi um pouquinho depois da arma. Nós morávamos em uma casa, que era numa vila militar recém construída, e a água das casas era de poço e eu era a pessoa escolhida para encher a caixa d'água, que era com uma bomba manual - por isso eu tenho ombros largos, agradeço. E aí eu enchia a caixa. Eram 1.800 bombadas para encher.


Um dia eu estava lavando meu rosto para ir ao colégio e meu irmão falou 'fecha a torneira que está gastando muita água'. E eu disse: mas quem enche essa caixa sou eu, portanto posso gastar a água que eu quiser porque quem vai encher sou eu. Aí meu pai veio lá de dentro e disse 'fecha essa torneira'. Eu falei: 'você, então, não pode falar nada porque pra você lavar o pé quem tem que pegar água sou eu, num balde'. Aí ele veio em cima de mim furioso, meu deu um soco e me jogou dentro da banheira, atravessado, e veio em cima de mim. Eu disse: 'não vem não', meti o pé nele (faz o gesto) e joguei ele lá na porta.


Aí ele disse: 'fora da minha casa'. Eu disse: 'saio daqui com gosto, porque não suporto ver a sua cara'. Aí eu saí, fui pra casa de um irmão dele, ele fez pressão para o irmão não me receber na casa dele. Aí ele tinha um amigo que tinha um bar e disse 'não vou te deixar na rua', me levou pra ficar na casa dele, fiquei trabalhando no bar dele e voltei pra casa. Mas já não ia mais ficar. Eu me alistei na Aeronáutica, com 17 anos, e transferi meu alistamento pro Rio de Janeiro. Foi o pretexto que eu tive pra sair de casa e não estar na rua. Eu não pretendia fazer carreira de nada, eu apenas queria sair de casa.


BBC News Brasil - O que foi a 'chave' que mudou a relação de vocês?


Ney Matogrosso - Fiquei muitos anos sem voltar lá. Ele começou a me visitar nos lugares que eu estava. Em São Paulo, tivemos problemas porque eu era hippie, eu vivia fazendo artesanato, coisas de couro. E ele achou que eu era pobre demais e queria que eu voltasse pra casa, que ele arranjava emprego pra mim. Eu disse: não quero emprego, não quero voltar pra casa, eu estou muito bem aqui. Eu não preciso ter dinheiro. Eu tinha saído de casa determinado a ser responsável por mim - ou bem ou mal. Comendo ou não comendo. Eu nunca fui um coitadinho, eu sabia que ia viver uma vida independente e que podia rolar de tudo. Eu queria ser ator de teatro, era o que eu fazia paralelamente ao artesanato. Cheguei a fazer três peças de teatro, mas fiquei conhecido como cantor.


Aí, a primeira vez que ele foi lá, eu fui ao hotel dele com uma calça cor de laranja. Aí ele me disse: 'por favor, não venha me visitar com essa calça'. Eu disse 'tudo bem, você está mais preocupado com a cor da minha calça do que com a minha presença, não se preocupe, eu não volto mais aqui'. E não voltei mais. Nesse meio tempo, a gente conversava algumas coisas. Aí, no dia que ele ia embora, a gente marcou um encontro ali em frente ao Estado de São Paulo, naquela praça, e aí nos despedimos e eu tive um impulso, porque eu beijava os meus amigos todos. E aí eu beijei ele. Ele ficou muito aflito, olhou ao redor para ver se alguém tinha visto um homem beijando ele.


BBC News Brasil - Na bochecha?


Ney Matogrosso - Sim, um beijo, nada demais. E alguma coisa mudou a partir desse momento, porque até o fim da vida dele nós nos encontrávamos, nos beijávamos e nos despedíamos e nos beijávamos. E eu sou o único filho que ele beijou. Não é engraçada essa história? Sou o único filho que ele beijou.


Image copyrightLAÍS ALEGRETTI/BBC
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Ney Matogrosso: 'Eu sou artista do jeito que eu sei ser, sempre. Não tem que se adaptar a nada'

BBC News Brasil - Com essa história com início complicado, você usa o sobrenome que você não tem originalmente e é dele...

Ney Matogrosso - É, porque eu me chamo Ney de Souza Pereira. Não é um bom nome artístico. Aí, quando eu já estava no Secos e Molhados, um amigo, Paulinho Mendonça, perguntou 'qual o nome do seu pai?'. Eu disse 'Antonio Matogrosso Pereira'. Ele disse 'porra, Ney, Ney Matogrosso'. Eu disse: é, nunca tinha pensado.


BBC News Brasil - Seu pai pediu para ir para a reserva?


Ney Matogrosso - Ele começou a achar que a ditadura estava se excedendo e pediu para ir para a reserva. Eu admirei ele.


BBC News Brasil - Sobre a sua relação com a ditadura, você diz que não foi mais atacado porque falava menos de política e mais de uma questão de costumes.


Ney Matogrosso - Eu não falava, a verdade é essa. Eu nunca falei 'abaixo a ditadura'. Porque chegamos em um momento no Brasil que ou você pegava em uma metralhadora ou você 'desbundava'. Eu era do desbunde, que eles odiavam tanto quanto quem tinha arma. Eu era o louco, que tomava ácido, fumava maconha, cabelo grande, hippie. Eles odiavam.


Eu fui preso uma vez na Lapa porque eu era cabeludo e minha calça era apertada. E aí eles me revistaram, acharam dinheiro no meu bolso. Pouco. E eles disseram: 'você não tem vergonha de andar só com esse dinheiro no bolso?'. E eu disse 'não, porque com esse dinheiro eu chego em casa'. Aí prenderam eu, um bicheiro e uma puta. O bicheiro disse que tinha pago o comandante da polícia do Rio de Janeiro R$ 20 mil, foi solto imediatamente. A puta chorou, chorou, chorou, soltaram. E eu fiquei a noite inteira lá. Eles me ameaçaram, de me jogar para os presos fazerem de mim o que quisessem. Foi a única vez que eu usei o fato de o meu pai ser militar. Eu disse 'tudo bem, vocês vão fazer o que quiserem, só que o meu pai é militar e ele vai dar falta de mim'. Mentira, porque meu pai estava em Mato Grosso e eu no Rio de Janeiro. 'Ele vai dar falta e me procurar e vocês vão ter que se explicar para eles, são eles que mandam no Brasil neste momento'.


Aí, de manhã, eles me perguntaram se eu queria dar o telefone de alguém, era o telefone de uma amiga que o namorado era almirante da Marinha e ele foi lá me tirar. Por nada. Porque eu não tinha dinheiro no bolso.


BBC News Brasil - E qual é a sua pior lembrança da ditadura militar?


Ney Matogrosso - Quando eu morava em Brasília, quando a ditadura se instalou. Muitos amigos desapareceram. Uma que eu conhecia, no dia em que o Castello Branco, primeiro presidente da ditadura, foi na Escola Parque, ela puxou uma vaia pra ele e ela desapareceu. Quando apareceu, tinham cortado o bico dos seios dela. Muito escroto, né?

ACERVO ARQUIVO NACIONAL
 
A imagem do jornal Correio da Manhã mostra o deslocamento de tanques militares em frente ao antigo Ministério do Exército, no Centro do Rio, logo após o golpe, no dia 2 de abril de 1964


BBC News Brasil - Você diz que a geração que nasce hoje é uma nova espécie. Acredito que se referindo à tecnologia...


Ney Matogrosso - Eu comecei a perceber isso, que as crianças que nasciam eram diferentes, quando eu morava em Brasília. As crianças começaram a nascer de olhos abertos. Criança nascia de olho fechado e ficava uma semana de olhos fechados. Quando vi crianças nascendo de olhos abertos, eu disse 'tá acontecendo alguma coisa'. Isso na década de 1960. E agora, com essa história de internet...


BBC News Brasil - E como é ser artista pra essa geração?


Ney Matogrosso - Eu sou artista do jeito que eu sei ser, sempre. Não tem que se adaptar a nada. Tem que continuar sendo como sabe ser.


BBC News Brasil - E sobre as redes sociais, você resistiu um pouco...


Ney Matogrosso - Eu não sou de redes sociais. Só Instagram. Mas não é pra conversar. Eu sou muito lacônico. E as pessoas reclamam, mas eu não estou ali pra conversar. Perguntam alguma coisa e eu digo 'sim', 'não', 'não sei', porque eu não quero conversar.


BBC News Brasil - Mas você responde. Perguntaram se você já tinha chegado a Londres...


Ney Matogrosso - Agora estou mais bonzinho. Estou mais tolerante.


BBC News Brasil - Você postou um vídeo fazendo musculação e o pessoal disse 'não é assim'.


Ney Matogrosso - Eu estava errado. O meu personal pegou meu celular para experimentar a câmera e eu não tava fazendo. Eu fiz assim, ele me filmou e eu caí na asneira de colocar aquilo que tava tudo errado. Aí começaram a dizer 'tá errado'. Eu sabia que tava errado. Mas tem que ser certo tudo, o tempo todo? Eu não sou uma escola. Não tô botando aquilo pras pessoas verem como eu sou maravilhoso. Eu estava brincando. Mas é assim hoje em dia.


BBC News Brasil - Qual o limite, você não posta coisa muito pessoal, do seu dia-a-dia...


Ney Matogrosso - Tudo é muito fútil. O Bruno, meu grande amigo, uma vez me fotografou lá no meu sítio, numa cachoeira que a gente estava tomando banho. Ele estava lá atrás, eu tava mais embaixo e com uma sunga que aparecia o rego. Eu publiquei essa foto, porque eu não acho nada demais um rego. Todo mundo tem um rego na bunda. Não é isso? Nossa senhora, isso foi parar nos jornais. Eu acho isso uma tolice tão grande, uma futilidade tão grande. Só porque o rego está aparecendo ali. Não era minha bunda inteira, era só a ponta do rego aqui, gente. Qual o problema com isso?


Eu botei uma foto de show, alguém reclamou e eu tive que tirar. E eu disse 'isso aí que vocês mandaram retirar, eu já viajei pelo mundo, eu já tinha viajado por seis países fazendo aquele show. Eu fiz dois anos e meio aquele show no Brasil e todo mundo tinha visto aquilo. E aquilo nunca foi um problema. Agora é um problema.


BBC News Brasil - O que tinha nessa foto?


Ney Matogrosso - Eu era um índio. Então estava com tapa sexo e algumas coisas penduradas. Simplesmente isso. A nádega de fora.


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'A minha vida inteira eu lutei pela liberdade e não admito viver com menos que isso', diz Ney Matogrosso.


BBC News Brasil - Nesses anos, o que mudou na sua relação com seu corpo e com a sua voz?


Ney Matogrosso - Eu passei a cuidar do corpo, coisa que eu não fazia. Eu agora faço ginástica, que eu achava que era coisa de americano. Quando eu tinha 50 anos, começou assim: eu fui na rua, no Leblon, verão, e vi um velho de sunga, tênis, a pele bem enrugada. Eu olhei e vi que tinha músculo por baixo da pele enrugada. E eu disse: ahn, pode? Aí comecei a fazer ginástica e eu gosto é de fazer musculação mesmo. Agora faço umas coisas de pilates misturadas. Aí as dores que eu estava sentido aos 50 anos desapareceram. Então é isso. Vou fazer ginástica até o fim da minha vida.


BBC News Brasil - Você deu esperança pro mundo agora. Se Ney Matogrosso começou a malhar aos 50 anos, todo mundo que ler essa entrevista vai ficar esperançoso.


Ney Matogrosso - É só querer.


BBC News Brasil - Como você quer ser lembrado, não só pelos músicos, mas por todo mundo? Que recado você quer deixar?


Ney Matogrosso - Quero ser lembrado pelo que fiz na Terra e que as pessoas se lembrem que a minha vida inteira eu lutei pela liberdade e não admito viver com menos que isso. Não suportaria viver com menos que isso.


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Ney diz que quer ser lembrado pela luta pela liberdade: 'não admito viver com menos que isso'.

BBC News Brasil - E sobre a música brasileira, Milton Nascimento disse que a música brasileira "está uma merda"...


Ney Matogrosso - Desculpe, eu não vou opinar sobre Milton Nascimento.


BBC News Brasil - Opina sobre a música brasileira hoje. Tem alguém que você gosta e acompanha mais?


Ney Matogrosso - Não tem. Eu não ouço rádio, então não fico sabendo o que tá acontecendo e o que não tá. As poucas vezes que eu ouço rádio, eu acho que é muito manipulado. Existe o sertanejo, que é a música sensação, mas é chato porque aí só toca ela e o funk. Eu gosto do funk, eu acho o ritmo uma delícia. As letras eu acho bobas. Sertanejo, eu acho todos iguais, todos cantam parecidos, os temas são os mesmos, todo mundo com dor de cotovelo e sofrendo. Eu não tenho a ver com esse pensamento de sofrimento.


BBC News Brasil - Teve uma declaração sobre projetos culturais, do presidente Jair Bolsonaro, em que ele falava o seguinte: 'Com dinheiro público não veremos mais certos tipos de obra por aí. Mas isso não é censura. Isso é preservar os valores cristãos. É tratar com respeito a nossa juventude. É reconhecer a família como uma unidade familiar'. De que forma…


Ney Matogrosso - É censura. Você pode colocar limite de idade para assistir um filme. Se em princípio você não quer que aquilo seja feito, é censura. Para o cinema, existe faixa etária.


Há sempre muita reação a essas coisas que o presidente faz. Existem reações de todas as partes e muitas vezes ele retrocede nas ideias dele.


BBC News Brasil - Um ano antes de o presidente Jair Bolsonaro ser eleito, você disse que acreditava que ele não seria eleito e…


Ney Matogrosso - Eu achava que ele não seria eleito. Eu nunca pensei que o Brasil desse esse passo.


BBC News Brasil - E por que deu? O que o brasileiro quis dizer quando o elegeu?


Ney Matogrosso - Eu acho que existia uma enorme insatisfação, ouso dizer que foi um voto de raiva contra o PT. E o (ex) presidente Lula poderia ter apoiado Ciro Gomes, que é o candidato que no segundo turno venceria o Jair Bolsonaro, mas o Lula não apoiou. Acho que foi uma coisa muito errada. Ele abriu caminho para isso que chegar no que está.


BBC News Brasil - Você é um ex-eleitor do PT...


Ney Matogrosso - Votei muitas vezes. Desde a primeira vez que o Lula se candidatou, eu votei. Mas aí, quando chegou o Mensalão, eu saí fora. Eu disse 'não, não, não'. Não posso concordar com isso.


BBC News Brasil - Em 2015, você disse que o então juiz Sergio Moro estava fazendo um bom trabalho e "dignificando a Justiça". Como você avalia o trabalho do hoje ministro Sergio Moro?


Ney Matogrosso - Hoje eu não sei. Não quero julgar ele. Ele deu uma entrevista dizendo que aceitou porque achava que tudo que ele tinha feito na Lava Jato estava correndo risco. Era uma justificativa plausível até então. Agora ele é um ornamento dentro da História, infelizmente. Ele já não determina mais a coisa da Justiça no Brasil. Ele é o ministro da Justiça, mas não é da Lava Jato.

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Ney Matogrosso durante show em Londres, no dia 31 de outubro de 2019


BBC News Brasil - Do lado das pessoas da esquerda, que dizem que o ex-presidente Lula é um preso político e que o impeachment da ex-presidente Dilma foi um golpe? O que você acha?


Ney Matogrosso - Eu não sei te dizer, porque o governo dela foi absurdamente estranho. Na véspera da eleição, ela falou que tudo que o oponente faria era errado e que ela não faria nada. No dia que ela se elegeu, tudo que ela disse que não faria, ela fez. Aí ficou totalmente desacreditada e a coisa foi se desmoronando. Mas vamos ficar falando de política, desse povo?


BBC News Brasil - É um assunto desagradável?


Ney Matogrosso - É, eu não sou envolvido diretamente. Sou um espectador. Eu vou lá, coloco meu voto em quem eu quero, mas não sou envolvido com isso. Tanto que essa questão de direita, esquerda, eu não entro nisso. Eu tenho amigos que pensam diferente de mim e eu não deixo de ser amigo deles. Eu não votei no presidente Bolsonaro, mas tenho amigos que votaram nele e nem por isso eu vou enforcar o amigo. Eu acho que as pessoas têm direito, até de errar.


BBC News Brasil - Estamos vendo a população polarizada. Acha que falta mais…


Ney Matogrosso - A população polarizada, e tem uma coisa, que agora temos uma Igreja Evangélica muito poderosa, que está manipulando isso tudo também. O Brasil é um país laico, não tem que misturar política com religião, e está misturado.


BBC News Brasil - Outro assunto que você não gosta de falar é sobre seus amores passados, dar nomes a eles. Por que?


Ney Matogrosso - Porque esse é extremamente particular e só interessa a mim. Por que vou falar nome das pessoas com quem transei, namorei? Eu não quero balançar os alicerces de nada. A única pessoa que escapou nessa história toda foi o Cazuza, que quando ele morreu. Os outros que não caíram na boca do povo, não cairão.


BBC News Brasil - Você fala em 'balançar os alicerces', imagino que as pessoas pensem 'o que ele tem pra falar?'


Ney Matogrosso - Eu teria muita coisa pra falar, nesse sentido. Mas não vou falar. Podem todos estar tranquilos, que eu jamais falarei. Não quero escândalo.


BBC News Brasil - Se você pudesse dar um conselho para o Ney mais novo, qual conselho você daria?


Ney Matogrosso - Não daria conselho nenhum. Eu gosto do que eu resultei. Entendo que eu fiz um percurso mais longo, dei muitas voltas, já para não me submeter. Tô falando em termos artísticos, com relação a gravadoras. Eu passei por seis, porque elas queriam mandar na minha vida artística e eu dizia 'não, minha vida artística é minha, quem decide sou eu, eu escolho o que eu vou cantar'. Então eu briguei com várias.


BBC News Brasil - Ninguém nunca mandou em você?

Ney Matogrosso - Não. E não vão mandar.

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