VOZES DESPREZADAS: RELATOS DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA

Despidos de qualquer prejulgamento, que reduz experiências complexas à categoria binária de vítima ou vilão, mocinho ou bandido, mergulhamos em um universo de seres humanos reais e multifacetados.

Imagem: Lee Jeffries

Luis Gustavo Reis*, Pragmatismo Político

“Agora que a mansão está concluída, os trabalhadores começam a grade. São barras de ferro com pontas de aço capazes de tirar a vida a quem se arrisque sobre elas. Uma obra prima que impedirá a entrada de famintos, crianças de rua e vagabundos. Vagabundos de toda espécie. Entre as barras e sobre as pontas de aço nada passará exceto a chuva, a morte e o dia de amanhã.” (Carl August Sandburg, A Grade)

Antes de iniciar, caro leitor, faço aqui um parêntese: embora apareça meu nome como autor, este texto é fruto de reflexões coletivas, realizadas por diversas pessoas cujo nome não aparecem aqui. É até constrangedor perfilar sozinho, mas uso o espaço de colunista, que precisa ser assinado, como forma de divulgação. Fechado o parêntesis, sigamos com o texto.

Recentemente, participei de encontros realizados na cidade de São Paulo com pessoas em situação de rua. A proposta dos encontros, chamados “oficinas de texto”, era que cada participante escrevesse, após intenso diálogo, o que lhes chamou atenção sobre os variados assuntos debatidos. Com temas que englobavam violência, machismo, homofobia, grafite, pixação, racismo, meio ambiente, trajetórias de vida etc., complementados ou partindo de textos escritos por autores como Carolina Maria de Jesus, Carlos Drummond de Andrade, Conceição Evaristo, Manuel de Barros e muitos outros, o resultado foi transformador para todos os envolvidos.

Várias foram as perguntas, ainda sem respostas, que gravitaram no imaginário daqueles que, assim como eu, resolveram integrar as oficinas: Quem são essas pessoas que vagam pelas vias, mas parecem habitar outra nação com línguas, códigos e costumes próprios? Quem são esses seres humanos tão próximas e visíveis, mas que muitos querem distantes e fingem não existirem? Condenados a invisibilidade, são aqueles que ousaram cruzar a fronteira movediça que sentencia milhares de nacionais ao arbítrio e a exclusão social.

Uma pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), com base em dados de 2015, aponta que o Brasil tem mais de 100 mil pessoas em situação de rua. Só a cidade de São Paulo, região que concentra o maior número, contabiliza cerca de 16 mil pessoas. Com o aumento do desemprego nos últimos anos, é possível que a estatística tenha aumentado significativamente.

Foi com parte dessas pessoas, fração bastante reduzida, diga-se de passagem, mas muito elucidativa, que as oficinas possibilitaram contato. Mais do que ouvi-las, foi possível compartilhar vivências, trocar afetos, desconstruir e reconstruir pontos de vista. Despidos de qualquer prejulgamento, que reduz experiências complexas à categoria binária de vítima ou vilão, mocinho ou bandido, mergulhamos em um universo de seres humanos reais e multifacetados.

Reproduzo aqui, com as devidas autorizações, mas com nomes fictícios e mantendo a grafia original, alguns dos textos escritos pelos participantes. Que o leitor, assim como nós, ouça o que eles têm a dizer.

Rebeca

Hoje resolvi contar para meu caro leitor, um pouco de mim, Rebeca! Uma alma feminina, e um corpo masculino. A vida é uma dadiva de Deus, vivo a minha, todos os dias intensamente. Cada sorriso é um flash.
Tento fugir das amarguras do passado, algumas são impossíveis, mas tenho suportado até o presente momento.
O preconceito da sociedade me persegue, as vezes penso que não vou resistir a opressão, mas aí eu lembro que a minha fé ajuda a construir um mundo melhor ou pelo menos o meu mundinho. Rsrsrs
Tenho a esperança de um dia poder dizer que vencia a Guerra, perdi algumas batalhas mas a Guerra não!
Independente do que sou, não deixo de ser HUMANA, ser humano para mim, é pode compartilhar a solidariedade e a caridade para com o próximo. Espero um dia poder dividir o que aprendi de bom com muitas outras pessoas.
Hoje foi um dia bom, um dia de VITORIA!

Dilan


Eu escolhi as minhas prisões, ilusões!
E agora escolho sair da gaiola, já não é sem hora!
Mas, quanta ilusão, quantos enganos
Só existem danos!
E não liberdade!
Porque não existe possibilidade,
Onde estão as alternativas?
Vias, não estão disponíveis,
Que poderiam nos levar
rumo à verdadeira
Liberdade e verdade!

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