SOU PROFESSOR, MAS NÃO SE CURVE

Me chamar de herói ou pateticamente se curvar simbolicamente perante mim não vai pagar minha conta no mercado.


Imagem: Jansen Lube | Prefeitura da Serra


Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político

Assisti à uma palestra de abertura de ano letivo da rede de ensino em que trabalho. Ao final da fala, a palestrante quis fazer uma média com os milhares de professores presentes. Disse que nos admirava pela persistência. É que abandou a docência há décadas, por ter sonhos maiores. Sim, ato falho, gafe ou convicção mesmo, ela disse isso. Não a recrimino pela fala. Por essa, pelo menos.

A educação básica brasileira paga muito pouco. Em média, menos que o pornográfico auxílio-moradia do Judiciário. Os professores que morem e comam com seus salários. Por isso, é fato que, financeiramente falando, dar aula em faculdade ou, como ela, viver de cursos, formações e palestras, é algo maior, mais vantajoso.

Continuando sua despedida laureativa, a citada, de origem japonesa, contou que, no país de seus pais, os únicos dispensáveis de se curvar ao Imperador são os professores. Disse isso e, pra delírio dos colegas, que se levantaram pra aplaudir o ato, se curvou perante mil e oitocentos professores, que, de auxílio pecuniário além do salário, só têm o vale-alimentação de cento e cinquenta reais.

A isso, não aplaudi. Nem muito menos me levantei da poltrona. Senão pra ir embora em seguida.

Eu já sou contra as monarquias. Não concordo com governos que sejam legitimados por Deus e/ou por hereditariedade, por sobrenome. Ter de se curvar perante uma autoridade, acho uma dispensável subserviência. Mas quem sou eu, apenas um rapaz latino americano sem dinheiro no bolso, pra questionar a exemplar e disciplinada cultura nipônica.

Para além disso, não quero que ninguém se curve a mim. E, se morasse no Japão e protocolar como sou, provavelmente ia fazer questão de seguir as regras sociais e me curvar ante o Imperador.

O que quero dizer é que não gosto de discursos elogiosos aos professores. Eles servem apenas de consolo para o principal problema, a falta de valorização profissional da classe. Sim, me refiro a dinheiro.

Professores não são heróis (já escrevi sobre isso neste mesmo espaço “Sou Professor, Não Herói” ). E nem tampouco queremos que a sociedade se curve perante nós, como a palestrante que parecia querer desculpar-se por ter ido atrás dos seus “sonhos maiores”. Professores são trabalhadores que, como tais, querem ser valorizados financeiramente.

Me chamar de herói ou pateticamente se curvar simbolicamente perante mim não vai pagar minha conta no mercado. Pelo que sei, os heróis não recebem salário. E os imperadores o são, como disse, por pura herança. Nem eu tenho o dom de salvar vidas voando de um prédio a outro e nem muito menos meu falecido pai era rei. Sou professor porque escolhi. E não foi dom, embora me identifiquei com a profissão. Foram anos de estudos até me licenciar. E ainda não parei de estudar. Professor nunca para, na verdade.

Portanto, se a sociedade quer mesmo me congratular, levante o joelho do chão e me pague um salário digno de trabalhador que faz importante função.

*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”

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