CASO DE JOVEM DE 16 ANOS LINCHADO ATÉ A MORTE PERMANECE IMPUNE

Garoto de 16 anos foi linchado até a morte por 20 jovens de classe média brasiliense em festa. Duas semanas após o crime, ninguém foi punido. Pai desabafa: "Nem animais fariam isso". Delegado relata que nunca testemunhou nada parecido

Vitor Martins (esq) e o pai, Íris de Melo

Vitor Martins de Melo, de 16 anos, foi linchado até a morte durante uma festa no Parque da Cidade, em Brasília. O crime ocorreu no dia 26 de maio, mas até agora ninguém foi punido.

O estudante não resistiu após ser agredido por cerca de 20 jovens de classe média brasiliense, moradores do Plano Piloto, do Lago Norte e do Guará.

“Aquilo ali não é ser humano, é uma cambada de animais. Acho que nem animais fariam isso com a mesma espécie”, desabafou Íris de Melo, pai de Vitor.

“Meu filho estudava e trabalhava em um pequeno comércio da família e era incapaz de furtar ou roubar alguém. O menino não mexia com coisa errada. Era educado, estudioso, de um coração e uma bondade imensurável. Só eu, que sou pai, sei o que tô sentindo agora”, lamentou Íris de Melo.

“O Victor nunca me deu dor de cabeça. Era um menino caseiro. Namorava a mesma menina havia dois anos. Preferia passar os fins de semana em casa, com ela. Durante a semana, estudava de manhã e, à tarde, vinha me ajudar na loja. Não bebia, não fumava, não arrumava confusão com ninguém”, lembrou Íris.

Vitor teria sido linchado após ser acusado por uma garota de tentar ajudar um amigo a roubar o celular dela. Outras testemunhas, no entanto, disseram à polícia que Vitor não estava envolvido no furto e teria sido “apontado como assaltante injustamente”.

Os policiais tentaram ouvir mais jovens que estavam na festa, mas eles não conseguiram dar detalhes sobre o crime “porque estavam sob efeito de álcool”, conforme disseram para os policiais.

Segundo o delegado-adjunto Ataliba Neto, responsável pela investigação, o adolescente linchado não tinha antecedentes criminais. “Em 12 anos que sou delegado de polícia, nunca tinha visto um crime como esse”, admitiu o policial.
Roubado depois de morto


A mãe, Valdineia Martins Melo, 41, diz que o filho prometeu voltar da festa entre as 19h e 19h30. Com o consentimento da mãe, Victor deixou a casa feliz, de roupa nova, bem arrumado e penteado. O jovem era extremamente vaidoso.

Quando o ponteiro do relógio marcou 19h, a mãe fez a primeira de uma sequência de ligações para o telefone celular do filho naquela noite de sábado. “A minha mulher telefonou até as 19h40, quando o aparelho do nosso filho deu sinal de que estava desligado”, conta o pai.

Vinte minutos depois, Valdineia recebeu a visita inesperada do dono de uma mercearia vizinha, ponto de encontro dos moradores da região. O homem disse a ela que um dos adolescentes da quadra acabara de mandar um recado aos pais de Victor. Pediu para irem ao Parque da Cidade, pois havia “algo de errado” com o filho deles.

Valdineia ligou para o marido, que estava na loja. Íris foi para casa. “Sabia que algo grave havia acontecido, mas não imaginava que era tão grave. Fomos primeiro para o Hospital de Base. Não encontrando o meu filho, seguimos para a Delegacia da Criança e do Adolescente. Lá, falaram-nos que havia tido um assassinato no Parque, mas que a vítima era uma mulher. Estavam nos enrolando. Não queriam que fôssemos ao Parque. Queriam nos poupar”, relata Íris.

Pouco depois, um agente pediu para o casal ir ao Instituto de Medicina Legal (IML). “Nessa hora, falei para a minha esposa: ‘Mataram o nosso filho!’”, recorda-se Íris. Para chegar ao IML, o pai passou pelo Parque. Ao enxergar veículos e homens da PM e da Polícia Civil em um dos estacionamentos, por volta das 21h, ele parou e desceu.

Encontrou, caído, ensanguentado, com marcas de violência, o filho morto, só de cueca e com a camiseta furada, rasgada e suja. Pelos policiais, soube do que havia acontecido, pelo menos a parte que se sabia até então. Que uma adolescente teve o celular roubado, apontou para um grupo de jovens e, na confusão, Victor foi detido por outros rapazes.

Caído, recebeu chutes, socos e garrafadas. Perfurações apontavam, ainda, facadas. Por fim, roubaram-lhe a carteira, o celular, os tênis e a bermuda. Paramédicos do Samu fizeram massagem cardíaca na vítima, que não resistiu aos ferimentos.

Dor sem fim


Desde o enterro, só Íris saiu de casa. “Tinha de trabalhar. Muita gente depende do meu trabalho”, frisa. Sedada, Valdineia não conseguiu sair do quarto. Recebe o amparo da irmã, única parente em Brasília. A irmã de Vitor, de 14 anos, só chora. “Ela fala do irmão o tempo inteiro. Lembra do que faziam juntos”, conta Íris.

Vitor
O irmão mais velho, de 21 anos, também segue recluso. Pouco fala. O quarto de Victor continua intacto, como ele deixou em seu último dia de vida. Do que Victor saiu carregando de casa naquele trágico sábado, a família recebeu de volta apenas os documentos dele. Jogados por cima do muro da casa por um anônimo. Alguém que provavelmente estava na cena do crime.
Detalhes

Apesar de se tratar de um local público, de haver tantos autores e cúmplices, e com a grande possibilidade de alguém ter filmado algo com um telefone celular, passaram-se vinte dias sem ninguém ter sido preso ou sequer indiciado.

A maior dificuldade dos investigadores está na falta de testemunhas. Não há quem fale, dê pistas, denuncie. É como se existisse um pacto pela impunidade daquele que entra para a lista dos mais brutais crimes de Brasília.

com informações do jornal Correio Braziliense

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