SHORTINHOS DA REFLEXÃO

Manifestação das alunas do Colégio Anchieta (Imagem: Pragmatismo Político)


Descontentes com uma norma da escola que proíbe o uso de shorts, centenas de alunos do Colégio Anchieta, de Porto Alegre, se reuniram para protestar contra a medida. Munidas de cartazes e com as bochechas pintadas com listras pretas, as alunas usaram o recreio para entoar hinos criados em grupos do Facebook e do WhatsApp, com mais de 300 membros e também para fazer um minuto de silêncio

Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político

O presente texto é sobre o protesto das alunas (e dos alunos também) da Escola Anchieta de Porto Alegre. Sim, ainda essa história. É que apesar de se tratar de roupa curta, o assunto deu pano pra manga.

Desde que, na faculdade, um colega questionou porque não poderia fazer a prova com caneta vermelha, ao que professor respondeu que se tratava de uma convenção: estudantes respondem à tinta azul ou preta; e o professor humilha com Xs vermelhos; desde aquele momento percebi, embora a insistente inconformidade do meu colega, que convenções existem e a maioria é necessária. E devemos geralmente segui-las, embora não nos seja vedado as questionarmos. Mas que fique registrado que não tenho nada contra caneta azul ou preta e julguei patética a atitude do meu colega.

Não só no âmbito estudantil há convenções e liturgias. Em todos os lugares, em quase tudo que fizemos, obedecemos a ritos previamente estabelecidos. Tais atitudes vão desde um bom-dia (que convencionamos ser educado dizê-lo), passando pelo por favor até as vestimentas. Na cidade onde moro, não posso entrar sem camisa no supermercado. Diferente de quando estou na praia, em que entro no super sem camisa e sem chinelo.

Convencionou-se, pois, que na praia se pode andar mais à vontade.

Não acho que escola seja praia. Sou contra, contudo, o uso de uniforme justamente porque ele quer fazer isso que já se intitula, uniformizar. Eu repudio as homogeneidades. Mas concordo que roupas muito curtas não são pra serem usadas num ambiente escolar. Donde concluo que shorts não são adequados pras alunas. O mesmo valendo pra calções aos meninos. Ou, ainda, aquela moda(?) que alguns guris tem de, argh!, usar calça caída.

Mas agora o meu contudo:

Contudo, a manifestação das alunas, pelo que sei, era muito mais por um dos motivos alegados pela direção da escola do que propriamente pela autorização de mostrar as coxas à brisa. Segundo um dos argumentos da norma proibitiva de pernocas ao léu, as meninas que mostravam muito de suas coxas desviavam a atenção dos meninos. Ou seja, se um aluno não prestar atenção nas entediantes explicações professorais pois de tão vidrado nos pelos dourados que nascem nas pernas da colega ao lado, a culpa é da colega ao lado e não dele. Ou seja, se uma mulher está com roupa curta na rua e um tarado se sente provocado, pois eis que a atitude/vestimenta da dita mulher é provocante, e a estupra, a culpa é, pelo menos em parte, da mulher que, afinal, “tava pedindo”.

Era justamente contra esse pensamento machista que as meninas estavam levantando a bermuda e os cartazes.

A discussão tomou fôlego nas redes sociais. E as postagens que mais me chamaram a atenção eram as que comparavam as alunas com shortinhos curtos com outras de escolas militares, em que as estudantes estavam fardadas. Parte da população acredita puerilmente, como se fossem ainda alunos da Educação Infantil, que a farda tem um superpoder. Basta vesti-la que o sujeito(a) vai se tornar recatado, honesto e disciplinado. Não me peçam pra conceituar recatado, honesto e disciplinado.

Se as fardas militares tivessem mesmo o poder de tornar o sujeito ilibado – não me peçam pra conceituar ilibado -, não haveria casos de corrupção nas polícias militares e nem sofreríamos o atraso cultural e, pasmem!, educacional que tivemos por causa do período da Ditadura (há quem defenda que a disciplina de Moral e Cívica era de suma importância. Não me peçam pra elencar o que é ou não importante), por exemplo.

Parabéns às meninas da Escola Anchieta. Vai ter quebra de paradigmas, sim!

*Delmar Bertuol é escritor, membro da Academia Montenegrina de Letras, graduando em história e colaborou para Pragmatismo Político

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