ESTÃO 'ASSANDO' UM NOVO GOLPE , SEGUNDO ELIO GASPARI E VINÍCIOS TORRES FREIRE

ELIO GASPARI deixa um recado muito importante em sua coluna de hoje na Folha de São Paulo.

''A Constituição de 1988 e o regime democrático permitiram o impedimento do presidente Fernando Collor, a posse de Itamar Franco e, anos depois, a nomeação de Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda, iniciando um período de reformas que restabeleceu o valor da moeda e modernizou alguns setores da vida nacional.

A Carta de 1988 tem defeitos e passou por mais plásticas que a atriz Kim Novak, mas funciona. Ela é clara: as eleições presidenciais realizam-se a cada quatro anos e assume quem tiver mais votos. Assim assumiram Fernando Henrique Cardoso, Lula e a doutora Dilma. Se o Congresso resolver encerrar o mandato do presidente, assume o vice. Assim foi com Itamar Franco. Hoje, assumiria Michel Temer.

A Constituição também determina que o Tribunal Superior Eleitoral pode cassar o mandato de uma chapa eleita e há um processo em curso nesse sentido. Se as acusações prevalecerem, Dilma e Temer vão para casa e, em até 90 dias, elege-se um novo presidente, com o voto de todos os brasileiros. Nada mal. (Caso a cassação ocorra no ano que vem, a eleição será indireta, votando apenas senadores e deputados.)

Desde a semana passada, com o agravamento da crise política e econômica, surgiu a ideia de uma reforma do regime, chegando-se a um parlamentarismo ou a uma excentricidade chamada de "semipresidencialismo" ou "semiparlamentarismo". Algo tão vago quanto uma semibicicleta. A proposta foi enunciada,de forma genérica e superficial, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Outro defensor da tese é o vice-presidente Michel Temer, que acumula a condição de pretendente ao trono (no caso do impedimento) com a de cliente da lâmina (no caso da cassação)''.

Também falou sobre o Parlamentarismo como o velho Golpe; diz ele . . .

"O parlamentarismo já foi rejeitado pelo brasileiros em dois plebiscitos, em 1963 e 1993, sempre por maioria acachapante. Com 77% a 17% dos votos num caso e 55% a 25% no outro.

Corre por aí que semipresidencialismo replicaria a experiência francesa. O paralelo é falso como um depoimento de comissário petista. Na França existia um regime parlamentar puro e caduco, até que, em 1958, no meio de uma guerra perdida e depois de um levante militar, o general De Gaulle tornou-se primeiro-ministro, com poderes emergenciais. Passados três meses, ele submeteu um projeto de Constituição ao povo francês e conseguiu 79,2% dos votos. A reforma de De Gaulle fortaleceu o presidente e enfraqueceu o Congresso. Ela entrou em vigor depois do referendo, não antes. O contrário do que se quer fazer no Brasil. (Quem souber o nome do atual primeiro-ministro francês ganha uma viagem à Disney.)

Em condições normais de temperatura e pressão, a manobra do semiparlamentarismo é inconstitucional. Ela precisa buscar na crise a legitimidade da emergência. O que se quer não é copiar as instituições francesas, mas reciclar uma gambiarra do andar de cima brasileiro. Pretende-se replicar 1961, quando no meio de uma crise política e militar aprovou-se em poucos dias o regime parlamentarista para mutilar os poderes de João Goulart. Foi golpe.

Quando se respeita a Constituição, as crises ajudam a fazer grandes mudanças. A posse de Itamar Franco e a eleição de Tancredo Neves são dois exemplos recentes. Havia a crise, preservou-se o regime e foi-se em frente.

Recuando-se no tempo, o vagão da crise reformadora entra num Trem Fantasma. Em 1968, uma crise das ruas foi usada por uma conspiração palaciana para jogar o país na ditadura escancarada do AI-5. Recuando mais um pouco, chega-se a 1964. O marechal Castelo Branco achava que a crise colocara-o na Presidência para fazer grandes reformas. As fez, mas a anarquia militar que cavalgou legou ao país o desastroso governo de Costa e Silva. Viveu o suficiente para perceber a armação do colapso de sua ditadura envergonhada.

O caroço do golpe está no desejo de se dar o poder a quem não tem voto. De Gaulle mostrou que os tinha. Se a ideia é boa e se Dilma e Temer forem cassados, qualquer cidadão brasileiro pode se eleger presidente propondo sua plataforma reformista. Durante a campanha eleitoral de 1994, Fernando Henrique Cardoso elegeu-se propondo reformas, inclusive a da Previdência, e a fez, com o apoio da CUT.

O semiparlamentarismo daria mais poderes a um Congresso de 594 deputados e senadores. Deles, 99 têm processos à espera de julgamento do Supremo Tribunal Federal. São 500 os inquéritos em andamento, inclusive os que tratam dos atuais presidentes da Câmara e do Senado".

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O Colunista, Vinicius Torres Freire, também hoje na Folha de São Paulo


O golpe do parlamentarismo, bis

LÍDERES do PMDB e do PSDB discutem como e quando dar fim ao governo de Dilma Rousseff. Na semana que passou, haviam combinado apenas conversar antes de tomar atitudes quanto ao destino da presidente.


É o que disseram em público e ainda dizem em conversas reservadas. As mesmas conversas que, no conjunto, passam a impressão de que a deposição de Dilma Rousseff está emperrada porque:

1) Ainda não há acerto sobre a divisão do poder até 2018 e, menos ainda, sobre a próxima eleição presidencial;

2) Há ainda pouca intimidade no novo par político;

3) É difícil definir um curso de ação quando não se sabe quem vai ser abatido na Justiça;

4) Tucanos-mores ainda se estranham.

O parlamentarismo foi uma "opção para a crise" discutida por senadores do PMDB e PSDB, como se sabe. Pelo menos dois tucanos dizem que esse seria um projeto para o governo que começa em 2018.

Dizem os tucanos que não entendem por que Renan Calheiros, presidente do Senado, PMDB, já desenvolve tal possibilidade. Dizem que o parlamentarismo valeria não apenas para o caso de "solução honrosa" de extração dos poderes de Dilma, que ficaria como presidente decorativa. O arranjo valeria também na hipótese de Michel Temer assumir a Presidência, embora o vice não queira ceder tanto poder assim.

Um senador tucano diz acreditar que uma decisão do Supremo, nesta semana, vai limpar o caminho de críticas à inconstitucionalidade da mudança de regime, já rejeitada no plebiscito de 1993.

Seja como for, resta a pergunta: por que o pós-Dilma até 2018 envolve esse improviso constitucional, um parlamentarismo a jato? O paralelo óbvio é com o remendo parlamentar de 1961, um tampão para evitar o golpe que impediria a posse de João Goulart no lugar de Jânio Quadros. Jango lutou para reaver poderes; venceu. Pouco depois, foi deposto.

No caso de parlamentarismo com Dilma, há de fato algum paralelismo: em vez de deposição, desta vez legal, se lhe retira o poder. No caso da solução com Temer, qual a justificativa para o parlamentarismo? Seria um arranjo PMDB-PSDB para dividir poder até 2018 e depois? Seria um seguro? Isto é, caso Temer fosse cassado pelo TSE, por rolos na campanha de Dilma de 2014, alguém da turma desse acordão assumiria no lugar.

Não se trata de solução simples. É preciso impor uma renúncia branca a Dilma. O processo pode ser tão longo, quanto um impeachment, estimado por muita gente para julho. A depender do acordo de divisão de poderes, o novo governo pode ser fraco, indeciso, estendendo a crise que se quer resolver, a econômica em especial.

Pouco vai restar do governo quando vazarem as delações premiadas "marcadas" para as próximas duas ou três semanas. Empresários e associações começam a sair do armário, contra Dilma. Sim, o PMDB ainda pretende ficar em cima do muro até abril, diz um senador, e não se sabe o que Renan ainda quer com Dilma e Lula. Mas, na prática, o partido vai liberar a turma para bater no governo. O fim ou o caos estão próximos.

Enfim, convém notar aos adeptos desse parlamentarismo de conveniência: terão de dizer a um eleitorado revoltado que o poder de escolher o chefe do Executivo seria tomado por esse Congresso desprezado e rico em candidatos à cadeia.

FOLHA DE SÃO PAULO , 16 MAIO DE 2016

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