ENTRE ESQUERDA /DIREITA EXISTE UMA SOCIAL DEMOCRACIA?

Ao PT vem faltando um diálogo claro e coerente com as suas bases, com o povo que pode apoiá-lo nas ruas, em favor da democracia

A derrubada do Muro de Berlim foi usada pelos ideólogos do neoliberalismo para alardear a que seria a última das revoluções: acabou-se a História, só há o progresso gerado pela modernidade triunfante no mundo globalizado, não faz qualquer sentido a distinção entre esquerda e direita. O que isso significa de verdade? A afirmação da hegemonia da direita, a que não se enxerga como tal, na exata medida em que se propõe como o centro, o que é definitivo.

Para nós, periféricos, não interessam as divagações dos “intelectuais orgânicos”, aos que servem à consolidação daquela hegemonia do capital. 

Podemos nos dar o direito de sermos simplórios: à esquerda, temos os que lutam contra a opressão e marginalização da maioria do povo brasileiro, entre eles ficando os “obreiristas”, os “trabalhistas”, os “populistas”, o que queiram chamar, importando os resultados do que eles fazem; à direita, os que defendem os privilégios históricos das elites, os que se conformam na estrutura e no mandonismo de um mundo que assegure o mandonismo da casa grande e a submissão do povo na senzala.
Maria Fernanda Arruda

A direita brasileira jamais teve coragem para assumir-se como tal. Ela é “democrata”, como o foram a UDN de 1945 e a ARENA de 1964. Uma democracia dos que, sabendo-se os melhores, a elite social e econômica, propõe-se ao exercício do poder, em prol da Nação. Foi assim, até o surgimento do PSDB, trazendo consigo a proposta polida e ilustrada por um Príncipe dos Sociólogos: a socialdemocracia. Fernando Henrique Cardoso anotou no livreto que produziu para posicionar o seu partido: “A social democracia é uma das principais forças políticas do mundo neste século. Países como Inglaterra, Alemanha, Bélgica, Holanda, Suécia, Noruega, Dinamarca, Austrália, França, Espanha e Portugal são ou foram governados por partidos de orientação social-democrática”.

O PSDB nasceu como sociedade dos homens cultos, capazes de, antes de agir, definir-se ideologicamente, distinguindo-se do PT, fadado a ser o seu grande rival, mas simplista, propondo ações para beneficiar os assalariados … e apenas isso. Mas essa associação nasceu em 1988, quando a socialdemocracia já começava a experimentar a sororoca fatal, o resfolegar da morte. O neoliberalismo imposto pelo sistema financeiro internacional apossou-se dele sem escrúpulos, como em um estrupo político, parindo os oito anos de governo FHC. Collor havia sido produto de Roberto Marinho. Mas FHC foi o primeiro fantoche criado, não mais pela FIESP de Delfim Neto, mas no Centro Empresarial de São Paulo, pela Bunge-Born (a terceira maior da indústria alimentícia no Mundo), pela indústria automobilística e pelos banqueiros.

A socialdemocracia foi sendo esquecida nos discursos de FHC. E enquanto isso, como instrumento da direita radical, o PSDB praticou todos os crimes possíveis e imagináveis: doou ao capitalismo internacional o patrimônio do Estado, privatizou a economia, fazendo a sua desnacionalização, abriu-se aos bancos estrangeiros, provocando em tudo e em todos a identificação da res publica com a cosa nostra.

Raquel Varela, historiadora portuguesa que Carta Capital resgatou por esses dias, sabe muito bem, ao contrário da grande maioria dos analistas brasileiros, que o grande avanço da socialdemocracia na Europa, ocorreu logo depois da IIª. Guerra Mundial, quando os Partidos Socialistas aplicam com grande êxito os seus programas reformistas, em especial na Grã-Bretanha, Alemanha e nos países na Escandinavos. Mas, já em princípios dos anos 70, quando a alternativa “reforma ou revolução” ia perdendo sentido e deixando de apavorar aos senhores do poder, o discurso da socialdemocracia foi sendo arquivado. Quando FHC criou e divulgou a ideologia que pretendia moderna, ele de fato marcava o seu partido político com um ridículo anacronismo.

A socialdemocracia foi sendo esquecida nos discursos de Fernando Henrique Cardoso

Hoje, o PSDB significa a extrema-direita, o instrumento político usado pelas elites e pelo sistema financeiro internacional, e seu grande objetivo no presente é ter condições para a privatização da Petrobrás, sabendo-se que conta com o interesse e apoio da Máfia do Petróleo. De seu plano de ação consta, além disso, conduzir o Mercosul à bancarrota, substituindo-o pela ALCA ou similar, e mais a pulverização dos direitos trabalhistas, a “herança de Vargas”. O mais, em termos bem realistas, já foi obtido durante a catástrofe dos oito anos de governo, especialmente a alienação de grande parte dos brasileiros, que estão sendo deseducados por um sistema privatizante falido, e desinformados por uma imprensa lastimável.

Coerente, o DEM completa a força tarefa da extrema direita, embora muito enfraquecido e reduzido aos resíduos do carlismo baiano, com ACM Neto. Não se esqueça, porém, da anomalia deformante, que leva o Brasil a carregar 35 partidos políticos, isso é, um número muito grande de legendas de aluguel, que incorpora uma tropa razoável de parlamentares, prontos a prostituir-se, vendendo seus favores à direita. Fabricados com as doações das grandes empresas, essa tropa representa a farsa de uma prática democrática, o que só será impedido com os termos de uma Constituição que renove toda a máquina de fazer política.

O que são os dois grandes partidos políticos? O PT: Nascido como partido “obreiro”, lutando pela classe operária, tornou-se, ao assumir o poder, o partido dos oprimidos, dos famélicos, dos marginalizados, tratando de dar dignidade humana a eles. Hoje, como que atendendo à voz de comando, do “meia-volta, volver”, o PT está se permitindo confundir com um governo que está realizando um programa neoliberal, sob a promessa do “amanhã será melhor”. 

O PT governante não se deixa confundir com o PT oposição. O sistema e suas instituições não permitem uma prática política decente, obrigando a conchavos, compadrios e companheirismos. Contando, e é o único, com um comando carismático, que pode falar com o poder de quem ja fez muito pelos pobres e miseráveis, o PT será ainda a voz, não da esquerda fazedora de teorias e doutrinas, mas da esquerda, como força que lutará contra a opressão das elites.

O PMDB: de fato não é partido político, é mercado onde se compra e vende de tudo, a começar da palavra, da honra e dignidade. É o continuísmo do coronelismo, com o seu mandonismo assentado nos “rincões”, onde ele elegem e controlam prefeitos e deputados. “Eu dou e quero receber”. Hoje, o PMDB é a grande força, controlando o Poder Legislativo. É a negação da prática política.

Algum dos partidos pequenos acrescenta alguma coisa? Não o PV, que apodreceu antes mesmo de amadurecer. O PSOL, o PCO, o PCdoB? Eles estão apresentando programas para o governo do Brasil que os colocam à esquerda. Mas não são frutos que se ponham no mesmo balaio. Em particular, o PSOL erra frequentemente o passo durante a marcha, trocando pés pelas mãos. 

O PCO que mais se assemelha a um “curso de filosofia política”, totalmente despreocupado da viabilidade de suas propostas. Enfim, o PcdoB é o mais combativo, coerente e leal. De qualquer maneira, ao colocarem ideias no papel, eles estão propondo um projeto de governo para o povo brasileiro. Fazem o avesso do avesso do projeto TEMER/FIESP.

Ao PT vem faltando um diálogo claro e coerente com as suas bases, com o povo que pode apoiá-lo nas ruas. Ele carece de propostas que não sejam o imediatismo do pão nosso de cada dia. No fundo, no fundo mesmo, só mesmo Lula poderá organizar esse povo, exigindo uma Constituinte e uma Constituição que seja a base de uma democracia de verdade. É preciso que fique claro: dentro dos limites que experimentamos hoje, de uma “democracia consentida” pelas elites, o PT esgotou a sua missão.

Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras.
CORREIO DO BRASIL

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