A HISTÓRIA DO PRIMEIRO E ÚNICO HOMEM NO MUNDO A SE CURAR DO HIV


Saiba como vive o primeiro e único homem do mundo a se curar do HIV. Timothy Ray Brown, ou "O Paciente de Berlim", se tornou um ativista que batalha para que o que aconteceu com ele torne-se comum



Timothy Ray Brown, também conhecido como ‘Paciente de Berlim’ (divulgação)


Marcio Caparica, LadoBi

Em 2010 o mundo veio a conhecer o caso de Timothy Ray Brown. Brown é um norte-americano, soropositivo desde 1995, que morava na Alemanha. Em 2006, descobriu que sofria de leucemia. Seu tratamento contra essa doença incluiu radioterapia e dois transplantes de células-tronco, adquiridas de um doador alemão. Ao fim do tratamento, o “Paciente de Berlim”, como veio a ser conhecido, estava curado não apenas da leucemia, mas também do HIV.

A cura se deve ao trabalho do médico Gero Huetter, o hematologista que tratava Brown na Universidade de Medicina de Berlim. Quando fez o transplante de medula óssea em Brown para tratar sua leucemia, Huetter implantou células doadas de um paciente que possuía uma mutação genética, que tornava seu organismo imune ao HIV. O HIV usa as células do sistema imunológico para se replicar; se ele não consegue penetrar nas células do sistema imunológico, não sobrevive. A teoria de Huetter era que, se todas as células imunológicas de um paciente soropositivo forem retiradas e substituídas por células imunes ao HIV, o HIV poderia ser erradicado do paciente.

Essa teoria provou-se correta – e, apesar do processo não poder ser aplicado a todos os soropositivos, esse caso trouxe muitos avanços à compreensão de como funciona o HIV e como poderia-se reproduzir esse resultado sem passar pelos riscos de um transplante de células-tronco.

Apesar do HIV ter sido eliminado de seu corpo, ele não foi apagado da mente de Timothy Ray Brown. O primeiro homem a ser curado da Aids no mundo tornou-se um ativista pela cura do HIV, e vem trabalhando desde então para que as pesquisas em busca dessa cura avancem cada vez mais rapidamente. Recentemente ele deu uma entrevista ao pesquisador e antropólogo médico Daniel Lyons, publicada no site Huffington Post, que traduzimos a seguir.

Ser a única pessoa do mundo que já foi curada do HIV/Aids deve ser uma experiência bastante única. E parece que isso jogou você no papel de líder e ativista. Estou curioso para saber onde essa história começa e se você sempre se considerou um ativista.

Eu era um ativista junto do ACT-UP em 1989 e 1990, antes de sair dos Estados Unidos. Eu queria estudar em Berlim, razão por que eu fui para lá. E então eu recebi o resultado positivo para HIV em 1995. Eu tinha um parceiro na época. Eu o havia conhecido em Berlim e me mudei com ele para Barcelona, e ele me disse que não queria ficar sabendo do próprio status sorológico. Ele preferia não saber se era soropositivo ou não. É importante lembrar que mesmo em 1995 receber um diagnóstico positivo para HIV ainda era considerado uma pena de morte. Não havia nenhum tratamento disponível a não ser o AZT e alguns outros poucos antirretrovirais.
Recomendaram que você tomasse AZT na época?

Sim, meu médico fez essa recomendação, mas eu não queria segui-la por causa de todos os outros efeitos colaterais conhecidos, e, talvez, ainda mais por causa dos desconhecidos. Mas como era o único tratamento disponível, eu concordei em tomar uma dosagem baixa. Por sorte, no ano seguinte os inibidores de protease e, então, as combinações dos coquetéis de drogas, foram lançados, e eu adotei esses tratamentos.

Eu segui bem pelos próximos 11 anos, e experimentei uma gama de diferentes coquetéis para tratar o HIV. Por volta de 2006 eu voltei para os Estados Unidos para o casamento de um amigo gay, e eu me lembro que me sentia extremamente cansado. Quando retornei a Berlim, isso só piorou. Eu contei para meu namorado, e ele me levou para um médico que me diagnosticou com anemia. Eles começaram a fazer transfusões de sangue, mas isso não ajudou muito, então me mandaram para um oncologista. Esse oncologista fez uma biópsia da medula óssea e descobriu que eu estava com leucemia. Como era de esperar, eu fiquei em choque. Eu sabia que isso era mortal e precisava ser tratado imediatamente, então nós discutimos onde eu deveria fazer o tratamento. Foi então que fui apresentado para o dr. Gero Huetter, que, mal sabia eu nessa época, tornaria-se uma parte fundamental da minha vida e da minha cura.
Eu li sobre seu caso há alguns anos, mas recentemente fiquei surpreso ao descobrir que já faz oito anos que você foi curado do HIV. O que aconteceu desde então?

Num primeiro momento basicamente eu estava em recuperação. E meu então parceiro, que eu amo profundamente, foi incisivo ao sugerir que eu me desse o maior tempo possível para me recuperar antes de sequer pensar em vir a público com o que havia acontecido. Mas, a certa altura, eu realmente comecei a sentir o peso de ser a única pessoa no mundo que já foi curada do HIV. Eu sentia que fazia parte de um clube muito exclusivo, e queria desesperadamente que outras pessoas entrassem nesse clube! Decidi que eu tinha que tornar meu nome e minha história públicos. Comecei com uma revista alemã chamada Stern, que publicou a história inicial. Eu não dei entrevistas por mais seis meses, e a seguinte foi para a revista POZ, nos EUA, e daí pra frente foi uma bola de neve.
Em que altura vir a público com isso levou você ao ativismo?

Eu já aparecia em eventos e dava alguns discursos desde que a história foi publicada pela primeira vez. Eu conheci os fundadores do World Aids Institute e, juntos, decidimos fazer uma coletiva de imprensa na 19a. Conferência Internacional da Aids em Washington, D.C., em 2012, na qual eu anunciaria meu interesse em começar uma fundação ou coalizão para apoiar o esforço para que se encontre a cura da Aids. Foi aí que tudo começou, porque muitas das pessoas de outros países nem conheciam minha história. Lembre-se, eu só revelei que eu era o Paciente de Berlim no dia 8 de dezembro de 2010, ou seja, um ano e meio antes da coletiva. Muitos sequer sabiam que alguém havia sido curado do HIV. Quando nós fizemos a coletiva de imprensa, foi num prédio separado, e uma hora antes da hora marcada nós tivemos que transferir o evento para uma sala com o dobro do tamanho, para acomodar todos os veículos dos EUA e de outros países do mundo todo. Acho que foi então que as pessoas começaram a me enxergar como um líder em potencial. Foi a partir desse momento que começamos a fazer reuniões e a ideia da Coalizão pela Cura da Aids realmente começou a levantar voo.
Desde 2012 você está em busca dos parceiros ideais para que esse projeto siga adiante, certo?

Exato, que foi como eu conheci você e o Dr. Shekdar da Research Foundation to Cure AIDS (Fundação de Pesquisa pela Cura da Aids).
Você pode então me contar um pouco sobre como tem sido essa busca por parcerias, e como você chegou à Research Foundation to Cure AIDS?

Sendo sincero, no que tange à Research Foundation to Cure AIDS, a gente estava meio cético. Você sabe, eu tenho um bom sensor para enganação, e quando eu analisei a biotecnologia do Dr. Shekdar, chamada Chromocell, foi intrigante porque eles já fizeram trabalhos incríveis em coisas como desenvolver sabores artificiais, mas eu estava incerto sobre como isso poderia se estender no que diz respeito à cura do HIV. E, como você pode imaginar, foi um processo bastante complicado encontrar os tipos certos de organizações com que fazer parcerias no que diz respeito a nossa missão. Levamos de outubro do ano passado até agora para obter o nível de conforto que alcançamos com a Research Foundation to Cure AIDS. Nós os ajudamos a lançar sua organização em Nova York em maio desse ano, e estamos muito animados com as possibilidades de nosso trabalho em conjunto. Mas, no fim das contas, o que vale é que ele quer construir uma coalizão de pesquisadores médicos e cientistas sociais em busca de uma cura, que é exatamente o que buscamos em um parceiro.
No meu entender, o objetivo a longo prazo é encontrar uma cura acessível para o HIV, mas o que mais sua organização, a Coalização pela Cura da Aids, planeja conseguir no futuro imediato?

Nosso objetivo principal é desenvolver um ambiente de colaboração, de trabalho em conjunto, e acabar com a territorialidade que vemos acontecer nos últimos anos dentro das comunidades científicas, médicas e do tratamento da Aids no caminho para a cura. Especificamente, ano passado nós lançamos, em um encontro no National Institutes of Health, o Cure AIDS Report (Relatório da Cura), um site com informações e um banco de dados para que as pessoas possam consultar e se informar melhor sobre as pesquisas pela cura da Aids que estão em curso. Nós listamos todos os estudos relacionados à cura do HIV de acordo com seu estado e seu país. Ele também funciona como um fórum para discussões sobre prevenção, tratamento e experimentos de vacinas. Nossa missão geral é se concentrar na conscientização da cura do HIV, na educação a seu respeito e na busca de apoios para o financiamento integral das pesquisas pela cura do HIV. Resumindo, queremos criar uma voz para a cura.

Outra coisa que queremos lançar em breve é um registro de CCR5 Delta 32, que é a mutação genética que levou a minha cura. Em poucas palavras, o médico que me curou, o Dr. Gero Huetter, começou a criar um registro de CCR5 na Alemanha, e nós gostaríamos de levar esse registro aos Estados Unidos e torná-lo acessível a todos os pesquisadores da cura do HIV do mundo todo. Essa seria uma maneira pela qual os pacientes também poderiam ajudar a encontrar a cura da Aids. Os pesquisadores da cura da Aids nos dizem que estão muito empolgados com essa ideia do registro do CCR5, porque ter acesso a esse tipo de informação tem sido uma barreira grande para que algumas das pesquisas sigam em frente.

Outra coisa que queremos lançar é o primeiro Dia Internacional da Cura da Aids, para espalhar para o mundo todo que a cura do HIV é possível, e reunir mais apoio para o esforço global. Essas são as três coisas principais com que estamos trabalhando no momento. Mas isso é apenas o começo no que se refere a nosso trabalho na Coalizão pela Cura da Aids.

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