A VALE: UMA EMPRESA SEM ROSTO

A antiga Vale do Rio Doce, hoje apenas Vale, é uma empresa sem rosto, embora esteja sempre presente nos meios de comunicação, a contar sobre a sua força econômica, associada a preocupações sociais. A hecatombe de Mariana revelou que, tal como o deus Jano, não possui apenas essa face jovem e pujante, mas também uma cara sórdida. E sobre ela, conhecendo muito pouco, precisamos saber mais.

Maria Fernanda Arruda(imagem)

Já em 2008, a construção de uma imensa siderúrgica, uma termelétrica a carvão altamente poluente e um porto privado da CSA (Companhia Siderúrgica do Atlântico) de propriedade da empresa alemã Thyssen-Krupp e da privatizada Companhia Vale do Rio Doce, situada no bairro de Santa Cruz, Zona Oeste carioca, provocava incalculáveis danos ambientais, prejuízos à pesca artesanal e violação de direitos trabalhistas e humanos. 

Somente após mais de dois anos de sucessivas denúncias a diversos órgãos públicos estaduais e federais feitas por pescadores, ecologistas, diversas entidades e movimentos sociais e técnicos, estas graves irregularidades começam finalmente a ser averiguadas e constatadas. Embora monstruosamente poluidor, esse projeto da Vale jamais foi acusado.

A quem interessaria a denúncia? O megaprojeto já provocou inúmeras mortes, vários corpos abandonados, resgatados, trabalhadores não têm registro e são submetidos a regime de trabalho escravo; mão-de-obra chinesa, mais barata, é importada. Essas obras poluidoras estão sendo financiadas pelo BNDES-Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e fazem parte do PAC-Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal e do IIRSA (Iniciativa para a Integração Regional da Infraestrutura Sul-Americana). A quem interessaria a denúncia?

Quem denuncia é um cientista, Sérgio Ricardo, que explica em detalhe: “A licença ambiental da CSA é absolutamente ilegal. Desde o início do processo de licenciamento questionamos o projeto desta mega siderúrgica poluidora na frágil Baía de Sepetiba. Infelizmente, todos os documentos técnicos que escrevemos e protocolamos junto aos diversos órgãos públicos denunciando os possíveis crimes ecológicos deste empreendimento estão sendo confirmados somente agora pelo Ministério Público Federal (MPF). Faltou transparência no licenciamento, as leis ecológicas foram desrespeitadas.”

Marabá, município criado em 1913, completou seu centenário, comemorando o pior que lhe aconteceu: a instalação da Vale, que inferniza a vida de 250 mil pessoas com o seu Projeto Grande Carajás. Em maio de 2015, com apoio do MTST, a Estrada de Ferro Carajás foi ocupada, colocando-se obstáculos sobre a via e ateando-se fogo aos trilhos. Enquanto isso, um outro grupo, de 3000 pessoas, invadia a área destinada ao projeto Aços Laminados do Pará.

A Vale, juntando-se a ela o IBAMA e a FUNAI praticaram enormes irregularidades no processo de licenciamento para instalação da Estrada de Ferro Carajás, a Justiça Federal tendo até mesmo concedido liminar que suspendia a licença irregular. De acordo com a denúncia dos indígenas afetados, a duplicação da ferrovia sem consulta prévia aos povos indígenas, tornava-se insustentável.

A decisão judicial também proibiu a Vale de negociar diretamente com os índios ou “enviar bens”, durante a realização do período de consulta prévia às lideranças indígenas. A suspensão foi determinada para o trecho entre os quilômetros 274 e 326 da ferrovia, em Alto Alegre do Pindaré (MA). 

O MPF alega que os awá-guajá são um dos poucos grupos indígenas ainda quase isolados do País, preservando um “estilo de vida distinto e autônomo”. Além disso, o órgão cita uma análise pericial realizada na região em 2013, a qual concluiu que a TI Caru estaria sendo invadida e ameaçada por não índios, além de projetos de mineração (MPF/MA, 22/05/2015). Em termos simples: a Vale, habituada a comprar os cara-pálida, generalizou a sua imoralidade.

A instalação inadequada do porto de Tubarão, com sua usina de pellets marcou o começo da prática de crimes ambientais da VALE no Estado do Espírito Santo. Como essa situação evoluiu? À Vale juntaram-se a Acelor-Mittal e a Aracruz Celulose, somando recursos financeiros que elegem a Assembleia Legislativa e a bancada da indústria da poluição no Congresso Nacional. A quem interessaria denunciar?

A Vale foi eleita a pior empresa do mundo em respeito à natureza e aos direitos humanos, em votação promovida na internet pelas ONGs Berne Declaration e Greenpeace. De 88 mil votos, a mineradora brasileira ficou com 25 mil, cerca de 800 mais que a segunda colocada, a japonesa Tepco, maior companhia energética de seu país e dona das usinas nucleares de Fukushima, afetadas pelo terremoto e o tsunami de 2011.
Após o tsunami de lama, o Rio Doce foi atingido e sua extensão até o mar

Absolutamente previsível ‘Mariana’, se corretamente investigada pela Polícia Federal, deveria levar à cadeia os diretores da Vale e com ele as autoridades que pactuaram com ele. E como ficariam o Governo do Estado de Minas Gerais, os anteriores, a Presidência da República, a atual e os anteriores?

Quanto aos diretores da Empresa assassina, basta atentar para as suas caras e pelas declarações feitas (a primeira delas: essa lama não é tóxica; a mais recente: as outras barragens também podem ceder) e a conclusão será imediata: são débeis mentais, testas-de-ferro de quem manda mesmo no crime, do capo que comanda a famiglia. Onde ele está? Em Brasília?

Todos nós sabemos sobre o crime de FHC. Ele teria privatizado a Vale, a preço vil, dando-a de presente ao capital estrangeiro. Vendeu o que não podia vender. Não se contentou com o crime do leilão em si. Além de ter obtido informações privilegiadas, o Bradesco, às vésperas do leilão, financiou debêntures de empresas que controlavam a Elétron (Valetron e a Belapart, ligadas ao Opportunity e ao Sweet River). 

Um grande saco de interesses, onde todos couberam. Na “ordem” financeira mundial há hierarquia, e o leilão foi de cartas marcadas. Levaria a CVRD quem “atraísse” os fundos de pensão das estatais, através do Executivo federal e da corrupção.

Vislumbrado o rosto da Vale, aquele que o seu Marketing não revela, tornam-se compreensíveis: a aceitação de seus diretores, quando revivem a fábula do leão e do cordeiro: foi o solo brasileiro que provocou a hecatombe, não foi a hecatombe que destruiu solo brasileiro; a Presidenta da República não tem necessidade de visitar aquilo que tem por obrigação conhecer (pois gestora da Vale); o governador de Minas Gerais e os Ministros de Estado devem fidelidade à controladora da Vale, não ao povo. E, later, but not latest, compreenda-se que a Presidência esteja empenhada em minimizar os custos para a Vale, na indenização pelos prejuízos que alegam ter sido provocados por culpa sua.

Lastimável, mas Mariana está repetindo o que já aconteceu: em Sepetiba, em Marabá, os que morrem lá já morreram, moendo amianto, assassinados pelos trabuqueiros de Katia Abreu; as águas envenenadas no rio Doce repetem o envenenamento dos alimentos promovido pelos agroindustriais transgênicos.

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