O AMOR NO MEIO DA RUA

A cidade é diferente daquilo que se vê nos programas policiais da TV

Saí de casa cedo por causa de uma labirintite que me pegou de surpresa fazendo-me ficar tonta.

 Então resolvi ir me consultar no Hospital Silvestre de Botafogo, onde tenho plano e preciso andar, em média, apenas uns seis quarteirões.

 Então levantei da cama, me dei conta da minha tonteira e resolvi ir até meu banco pegar dinheiro pra um táxi, pois já não podia me locomover direito.

Andei torta pela rua, sozinha, procurando algum lugar que tivesse um caixa eletrônico, tipo supermercado, mas tudo, ali perto, estava fechado. Então uma moça que ia passando parou perto de mim e perguntou se eu estava sentindo alguma coisa , pois meu aspecto devia denunciar o que se passava dentro de mim. Contei da labirintite, da tontura, da falta de caixas eletrônicas pra pegar um táxi até ali pertinho, da incapacidade de arranjar dinheiro àquela hora, quando ela abriu a carteira, me deu vinte reais, ainda queria dar mais mas eu disse que não aceitava de jeito nenhum e agradeci , perplexa com a sua generosidade que colocava o dinheiro no meu bolso.

Concordei em aceita-lo por que não podia andar direito, impressionada com o fato de ainda existirem pessoas boas e preocupadas com os outros, ao contrário do que se vê nos jornais e vinte e quatro horas por dia na TV: uma guerra entre famílias, garotos assassinos, arrastões e mortes nos lugares mais bonitos e alegres do Rio, como era o Arpoador, Ipanema, assaltos a casa de amigos e assassinatos de todas as formas decorrentes de qualquer ato, pensamento ou obra. Agradeci a Deus por ter me deparado com uma pessoa maravilhosa, do bem ,pois graças a ela fui ao banco e ao médico.

No dia seguinte saí de novo andando pela Voluntários e um rapaz bem jovem com um grupo de amigos e amigas, olha pra mim, de braços abertos, um sorriso e pergunta: “posso te dar um abraço?” Respondo que ficaria muito feliz. Então nos abraçamos, rindo, até chegar seus amigos e amigas com o mesmo sorriso nos lábios, os mesmos braços abertos e dizerem:“tambem queremos te abraçar! Podemos te abraçar? “ Perguntavam sorrindo.

Abracei todo o grupo que foi embora feliz da vida nos seus 15, 16 anos.

Então fui pra casa pensando que o que estava me acontecendo só poderia ser uma benção de Deus e parei de reclamar dos meus problemas ligando de novo a TV e vendo o mundo passando fome, as pessoas continuarem se matando, assaltando, por puro ódio e pensei como pude encontrar esse amor no meio do caminho? Graças a Deus não pensei nem um só momento que alguém ia me dar um golpe, nem a moça que me deu dinheiro nem os garotos sorridentes que me deram abraços.

Depois passei no banco e encontrei um mendigo na porta da igreja , que me chamou pelo nome e perguntou se eu me lembrava dele que agora estava se tratando nos Alcóolicos Anônimos. Dei um dinheirinho pra ele pra comer e não pra pegar um táxi, nos despedimos, felizes e fui pra casa pensando por que as pessoas não aderem ao amor em vez do ódio e imaginei a mudança que pequenos amores derramados pelas ruas podem fazer pelos outros curando alcoólatras, tonteiras e labirintites criadas pelo medo do ódio semeado ao vento depois de alguém matar tranquilamente o amigo e ir ao cinema.

Maria Lúcia Dahl , atriz, escritora e roteirista. Participou de mais de 50 filmes entre os quais – Macunaima, Menino de Engenho, Gente Fina é outra Coisa – 29 peças teatrais destacando-se- Se Correr o Bicho pega se ficar o bicho come – Trair e coçar é só começar- O Avarento. Na televisão trabalhou na Rede Globo em cerca de 29 novelas entre as quais – Dancing Days – Anos Dourados – Gabriela e recentemente em – Aquele Beijo. Como cronista escreveu durante 26 anos no Jornal do Brasil e algum tempo no Estado de São Paulo. Escreveu 5 livros sendo 2 de crônicas – O Quebra Cabeça e a Bailarina Agradece-, um romance, Alem da arrebentação, a biografia de Antonio Bivar e a sua autobiografia,- Quem não ouve o seu papai um dia balança e cai. Como redatora escreveu para o Chico Anisio Show.Como roteirista fez recentemente o filme – Vendo ou Alugo – vencedor de mais de 20 premios em festivais no Brasil.

Direto da Redação, editado pelo jornalista Rui Martins.
CORREIO DO BRASIL

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