QUAL FOI O PRIMEIRO LIVRO PUBLICADO NO BRASIL?


Em meio à censura do Império, os grandes nomes da poesia e da literatura nacional recorriam à Europa para a publicação de suas obras, até que algo mudou
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Ilustração de Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga.

Por Anne Silva

Até a Primeira Guerra Mundial, grande parte das obras escritas por brasileiros e comercializadas no Brasil era impressa na Europa, e nomes como Machado de Assis costumavam ser publicados pela editora francesa Livraria Garnier.

O país tinha, no começo do século 20, poucas livrarias e nenhuma editora própria digna de nota. Em 1925, a Companhia Editora Nacional, fundada por Monteiro Lobato após a falência de sua Companhia Gráfico-Editora Monteiro, se tornaria a primeira a publicar cinco mil exemplares de uma versão da primeira obra escrita no Brasil, no século 16: "Meu Cativeiro Entre os Selvagens Brasileiros", do mercenário alemão Hans Staden, que narrava o período em que o explorador permanecera por nove meses detido como escravo por indígenas tupinambás.
                                                           arquivo público
Fragmento do livro de Hans Staden, 1557.

Durante o período colonial brasileiro, a tipografia estava isolada em Portugal, e só houve uma impressora no Brasil, com registros definitivos, a partir de 1747, operada pelo tipógrafo lisboense Antônio Isidoro da Fonseca, que viera para o Brasil a negócio.

Mas ele logo viu suas atividades interrompidas por ter sido editor e se envolvido com o escritor judeu Antônio José da Silva, nascido em família carioca convertida ao judaísmo, e que foi condenado à morte pela Inquisição em 1739.

Portugal proibira, desde o século 18, a impressão de obras diretamente no Brasil, e a maioria dos trabalhos de poetas e romancistas nacionais, como os relevantes Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, era enviada a Portugal para ser, então, impressa e distribuída, sob a supervisão (e a censura) do Império.

A situação só se alterou com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, e a criação da Biblioteca Nacional (antes, Biblioteca Real), para comportar as obras trazidas ao Brasil de Portugal.

Só então um parco mercado editorial começou a emergir no país, junto à popularização de algumas livrarias nascentes e à criação da Imprensa Régia, a primeira instituição tipográfica do Brasil, por decreto de Dom João VI em 1808. A função da Imprensa, no entanto, ficava restrita à impressão de documentos oficiais da Coroa e de jornais como a Gazeta do Rio de Janeiro. As obras que passavam pelo crivo da Imprensa, além disso, estavam sob um sistema de censura real que controlava o conteúdo das publicações.

Apesar disso, mesmo antes da chegada da instituição real, já havia registros de obras impressas no Brasil, em ocasiões isoladas, em estados como Minas Gerais, onde o governador Atahyde de Mello imprimiu, em 1807, um poema feito em sua homenagem pelo poeta Diogo de Vasconcelos. Mas nenhuma das impressões “extraoficiais” tinha permissão de editoração e comercialização no país.

Acredita-se que o primeiro livro de ficção impresso no Brasil tenha sido Marília de Dirceu, do inconfidente Tomás Antônio Gonzaga, publicado em 1810.
                                                            Wikipedia
Capa de Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga, em edição do século 19.

Os pesquisadores portugueses A. Gomes da Costa e Maria Helena Varela, no entanto, apontam para A Relação da Entrada, texto escrito por volta de 1695, que narra a campanha militar travada pelo bandeirante Domingos Jorge Velho contra o Quilombo dos Palmares, no empreendimento que culminou com a morte de Zumbi dos Palmares e no desmantelamento da resistência.

Eles acreditam que a obra tenha sido, "incontestavelmente, o primeiro livro impresso no Brasil", também "energicamente interceptado pelo governo da metrópole, alegando-se a ausência de autorização régia" na sua publicação.

Alguns registros oficiais apontam, ainda, para outra obra de não-ficção como a primeira impressa em território brasileiro: “Marquês de Pombal ou a história da liberdade da Imprensa”, que foi publicado em 1808 no Rio de Janeiro, já sob a supervisão da Imprensa Régia, fundada naquele mesmo ano.

Já a primeira publicação informal do Brasil remonta ao século 17: quando, em 1647, na cidade de Recife (PE), um folheto de 20 páginas que relatava as transações financeiras da Companhia Oriental Holandesa do Brasil foi distribuído em vários volumes.

Os últimos exemplares desse livreto foram vendidos em um leilão de janeiro de 1947, pelo preço de 151 mil dólares, em Massachusetts, nos Estados Unidos, conta uma edição de setembro de 1998 do jornal O Papel.

"A primeira obra impressa no primeiro prelo [prensa mecânica de impressão] do Brasil foi publicada em holandês sob o título de 'Brasilische Gelt-Sack' (Bolsa Brasileira de Dinheiro)", diz o jornal.

"Pouco tempo depois que os holandeses foram expulsos pelos colonos e seus valentes escravos africanos, os primeiros vice-reis portugueses, sob ordens de Portugal, de Lisboa, suprimiram todos os prelos no Brasil [...] até que a família real portuguesa, fugindo dos exércitos de Napoleão, se estabeleceu no Brasil, [e] se fundou uma imprensa oficial como monopólio do Estado."

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