PORQUE TANTA GENTE ACEITA MIGALHAS EMOCIONAIS?



Em uma era onde se fala tanto sobre amor-próprio, autoestima e relacionamentos saudáveis, ainda assim é crescente o número de pessoas que aceitam migalhas emocionais. Relações em que o carinho é escasso, a presença é intermitente e o afeto se resume a sobras de atenção viraram rotina para muitos. Mas afinal, por que tanta gente aceita tão pouco quando merece tanto?

A resposta é complexa e multifatorial, mas começa com a forma como aprendemos a nos relacionar ainda na infância. Crianças que cresceram em ambientes afetivamente negligentes ou inconsistentes podem internalizar a ideia de que precisam se contentar com pouco. Se o amor recebido era condicionado ou ausente, elas tendem a repetir esse padrão na vida adulta, buscando aprovação e atenção mesmo que em pequenas doses, porque acreditam que é o melhor que podem ter.

Outro fator determinante é a carência emocional. Pessoas emocionalmente carentes costumam ver qualquer demonstração de afeto como suficiente, mesmo que seja mínima. Um “bom dia” depois de dias de silêncio, uma mensagem aleatória no meio da noite ou um encontro esporádico vira motivo de felicidade, mesmo que o restante da relação seja marcado por ausência e frieza. A falta que sentem de afeto faz com que romantizem gestos básicos como se fossem grandes declarações de amor.

A baixa autoestima também entra em cena. Quando alguém não acredita ser digno de amor completo e verdadeiro, acaba aceitando o que aparece, mesmo que seja insatisfatório. Essa pessoa pensa que ninguém vai amá-la de verdade ou que precisa se esforçar além da conta para ser querida. Com isso, cria-se um ciclo de autossabotagem: quanto menos ela se valoriza, mais aceita relações desequilibradas, e quanto mais vive essas experiências frustrantes, mais frágil sua autoestima se torna.

Além disso, existe a idealização do outro. Muitas vezes, quem aceita migalhas emocionais está apaixonado por uma versão fantasiosa da pessoa com quem se relaciona. Ignoram os sinais claros de desinteresse ou desrespeito porque estão presos à esperança de que aquela pessoa “vai mudar” ou “só está passando por uma fase”. Alimentar essa esperança é uma maneira de manter viva uma ilusão, que machuca, mas conforta mais do que o vazio da solidão.

A sociedade também contribui para esse padrão. Vivemos em uma cultura que romantiza o sofrimento no amor, onde ser paciente, persistente e “não desistir da pessoa” é visto como virtude. Filmes, músicas e livros ensinam que o amor verdadeiro resiste a tudo, até mesmo ao desprezo. Essa narrativa distorcida reforça a ideia de que aceitar pouco é prova de amor — quando, na verdade, é um sinal de desvalorização.

Outro ponto importante é o medo da solidão. Muitas pessoas preferem estar em relações ruins a ficarem sozinhas. O silêncio do quarto vazio, a ausência de mensagens no celular, os fins de semana sem companhia parecem mais dolorosos do que um relacionamento sem afeto. Elas toleram a migalha porque acham que não têm outra opção — ou que a solidão é pior.

Também há quem se sinta emocionalmente preso a relações tóxicas por conta da dependência afetiva. A pessoa sente que não consegue mais viver sem o outro, mesmo quando esse “outro” oferece pouco ou quase nada. Há uma espécie de vício emocional que mistura ansiedade, medo e apego, gerando sofrimento constante, mas também uma falsa sensação de conexão.

É preciso entender que amor não é escassez. Quando alguém ama de verdade, não entrega o mínimo, não some, não despreza. Quem ama, cuida, se importa, está presente. Aceitar migalhas emocionais é negar a si mesmo a chance de viver um amor pleno e recíproco. fikante

A saída começa pelo autoconhecimento. É preciso identificar os padrões repetitivos, entender de onde vem essa necessidade de aceitar tão pouco e trabalhar a autoestima. Terapia, apoio emocional e uma rede de afeto saudável fazem diferença. Aprender a se valorizar é um processo, mas é o único caminho possível para quebrar o ciclo das migalhas.

A vida é muito curta para ser vivida à base de migalhas. Todo mundo merece o banquete completo: respeito, carinho, atenção, presença, reciprocidade. E, acima de tudo, merece-se aprender que estar só é infinitamente melhor do que estar mal acompanhado. Porque migalha não supre a fome de um coração que sabe o que merece.

GAZETA SANTA CÂNDIDA, JORNAL QUE TEM O QUE FALAR

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