LEMBRANDO A MATÉRIA DE 19 DE FEVEREIRO: STF TEM MISSÃO SIMILAR À DA ALEMANHA PÓS-NAZISMO EM JULGAMENTO DE BOLSONARO, DIZ PROFESSOR

Especialista em Direito Constitucional, Emilio Peluso compara julgamento do ex-presidente com decisões da corte alemã após a Segunda Guerra Mundial.

Foto: Gabriela Biló/Folhapress)
Ex-presidente Jair Bolsonaro se reuniu, na terça-feira, 18, com senadores em articulação para definir próximos passos da oposição

O Supremo Tribunal Federal julgará, em breve, a responsabilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro na tentativa de um golpe de estado após as eleições de 2022. O julgamento, que deve ocorrer ainda em 2025, pode ter consequências históricas para a democracia brasileira.

Para o professor de Direito Constitucional Emilio Peluso, da Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG, a missão do STF neste caso se assemelha à da Corte Constitucional alemã no pós-guerra. Na época, o tribunal teve um papel crucial na defesa da democracia contra resquícios do regime nazista.

A Alemanha adotou, a partir de 1949, um modelo em que sua Constituição impõe barreiras para evitar ameaças institucionais. Decisões da corte alemã foram fundamentais para impedir a ascensão de grupos extremistas. Segundo Meyer, o STF enfrenta desafio semelhante ao lidar com uma tentativa de golpe de estado.

A comparação não significa que o Brasil viva um cenário idêntico ao da Alemanha do pós-guerra, mas sim que há paralelos no papel do judiciário em proteger a democracia de ataques internos. “O Supremo precisa demonstrar que a ordem constitucional não é negociável”, afirma o professor.

Um exemplo emblemático citado por ele é a decisão de 1952 da Corte Constitucional alemã, que baniu o Partido Socialista do Reich, de orientação neonazista, impedindo sua atuação antes que pudesse ganhar força política. Além da proibição de partidos extremistas, o tribunal estabeleceu princípios que reforçam a proteção da democracia em diferentes frentes.

Segundo Peluso, o paralelo com o caso brasileiro se dá na necessidade de o STF reafirmar, diante da tentativa de golpe de 2022, que a democracia não pode ser relativizada. Assim como na Alemanha, onde o tribunal não hesitou em impor limites a forças políticas que ameaçavam a estabilidade democrática, o Supremo agora tem a missão de demonstrar que ações contra a ordem constitucional terão consequências.

Em entrevista ao Intercept Brasil, Emilio Peluso Neder Meyer analisa a dimensão histórica do julgamento e a escolha do foro – já que a decisão sobre Bolsonaro ocorrerá na Primeira Turma do STF, o que tem gerado controvérsias.

Alguns ministros defendem que um julgamento de tamanha relevância deveria ser realizado pelo plenário do STF, mas a estratégia de Alexandre de Moraes parece ser garantir um julgamento mais célere e evitar possíveis impasses políticos.

Leia a entrevista completa:

Intercept Brasil – O julgamento de Bolsonaro será na Primeira Turma do STF. Há quem defenda que ele deveria ser julgado pelo plenário. Qual é sua avaliação?

Emilio Peluso – O caso deve ser julgado pela Primeira Turma do Supremo, um encaminhamento que já está sendo direcionado pelo ministro Alexandre de Moraes. Ocorre que os réus dos atos de 8 de janeiro foram julgados pelo plenário porque suas ações começaram antes de uma mudança regimental no final de 2023.

Já Bolsonaro, por não ser presidente em exercício, entra na nova regra e será julgado pela Primeira Turma. A mudança busca desafogar o plenário e tornar os julgamentos mais ágeis.

Alguns ministros já demonstraram insatisfação com essa decisão – e querem levar o caso ao plenário.

Sim, já há notícias indicando reclamação por parte de ministros como Nunes Marques e André Mendonça, que argumentam que um caso dessa magnitude deveria ser julgado pelo plenário. No entanto, não há razão jurídica para isso.

O Supremo pode decidir submeter casos ao plenário dependendo da repercussão, mas a estratégia do ministro Alexandre de Moraes parece ser evitar um prolongamento ainda maior do processo e garantir um julgamento mais certeiro na Primeira Turma, onde a composição tende a indicar uma condenação.

Historicamente, há algum julgamento semelhante a esse no Brasil?

Temos uma série de variáveis a considerar. Em termos de repercussão política, quando tivemos o julgamento do Mensalão, o que pudemos perceber foi um movimento próximo de autoridades muito ligadas ao presidente em exercício da República.

Isso gerou um impacto muito grande, com discussões sobre a necessidade de se lidar de forma mais severa com a corrupção, atraindo uma atenção da mídia que transformou o Supremo Tribunal Federal. Depois, os julgamentos relacionados a recursos e questões envolvidas no processo da Lava Jato também direcionaram toda a atenção para o Supremo.

Mas acho que, de fato, este caso é ainda mais significativo. Digo isso em termos de repercussão política, pois trata-se de um ex-presidente da República com um capital político ainda muito relevante. Lembremos que ele obteve um número expressivo de votos no primeiro e no segundo turno das eleições de 2022 e mantém um apoio popular importante, não apenas de setores conservadores, mas também de outras camadas da população que veem com certa desconfiança a atuação do PT e do governo Lula, que enfrenta baixa popularidade. Portanto, o resultado desse julgamento tem uma dimensão política crucial.

Paulo 
https://www.intercept.com.br/

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