AS MARGENS DE UM JORNAL OU DE UM JOELHO

Chegamos no Reclame Aqui; consultorias literárias; Jorge Bernanos.

27 de maio

Eu Bom dia, assinantes e colaboradores do RelevO . Com um pé no mês de junho e já apostando no novo quadrado mágico da Seleção Brasileira de Futebol, ou praça mágica — Alex Sandro, Alexsandro, Andreas Pereira e Andrey Santos —, trazemos três recados na circular de hoje.

“Meu quarto de dormir”, de Washington Maguetas, 2020.
1.

O RelevO sempre habitou margens. As margens do mercado editorial, da lógica empresarial, do tempo cronometrado. Mas também as margens da linguagem — onde o experimental, o insuspeito, o inacabado e o sincero se escondem. O RelevO carrega em seu eixo uma certa margem de ridículo. Ou melhor: de honestidade mesclada com uma boa dose de constrangimento. Em meio a envelopes encharcados, mensagens relembrando a demora nas devolutivas de textos enviados, críticas sobre os critérios de publicações — certa vez, um escritor chamou o nosso sentimento de seleção de escrotérios —, elogios insuspeitos ou desajeitados, assinaturas enviadas e pedidos de parcerias, seguimos tentando entender o que é fazer um jornal literário impresso no Brasil em 2025. Naturalmente, com seus encantos e tropeços.

Depois de 15 anos, o RelevO chegou ao Reclame Aqui , que, ao contrário do nosso periódico, dispensa apresentações. Uma assinante (agora ex-assinante) e tradutora (ou traduttore ) — teve, inclusive, material publicado em edição recente — pediu estorno da assinatura após os Correios ainda não entregarem a edição de maio e atrasarem as entregas de março e abril. Também reclamou (com razão) da pouca celeridade na resposta à consulta via e-mail. Resultado: fomos notificados. Então, tal qual uma empresa com presença na bolsa de valores e com políticas de comissões on-line, resolvemos em cinco minutos a situação, devolvemos o dinheiro e ficamos com -R$ 120 na conta — em maio, nosso prejuízo, entre gastos e entradas, está em R$ 1300. Ainda: o exemplar de maio provavelmente vai chegar mesmo porque, além de um ex-assinante certamente não querer mais ouvir falar do nosso jornal ou do nosso mascote Relevito ¹ —, o editor-jornaleiro conseguiu romper parcialmente os ligamentos do joelho esquerdo na semana passada, prejudicando o recebimento da logística e a atualização da caixa de entrada. Mas essa semana estamos novamente na ativa com os malotes. Vai dizer que você não ficou com vontade de ter um jornal de literatura também?

Depois dos prejuízos e dos efeitos dos remédios — pagos no cartão de crédito porque saúde em primeiro lugar, depois pensamos nos custos do plano de saúde —, entrei no modo operacional de entender por que somos o que somos. A verdade é que ser independente é isso: um eterno revezamento entre o romântico e o patético. Um dia você está planejando a 200ª edição de um jornal literário (estamos indo para o #194) e sonhando com o Nobel Alternativo de Cultura Brasileira. No outro, está respondendo e-mail de cobrança no meio da ressonância magnética.

Manter um jornal independente significa operar sem estrutura empresarial robusta, sem departamentos específicos para atendimento, logística ou contabilidade. Toda operação depende de uma equipe extensa (ou de uma única pessoa em algumas funções), o que amplia o risco de falhas operacionais e sobrecarga emocional. A ausência de capital de giro, típica de projetos culturais autônomos, também agrava a capacidade de resposta diante de imprevistos, como atrasos dos Correios ou problemas de saúde. O RelevO não faz os exercícios de membros inferiores na academia.

E ainda tem o ego ferido do editor de saber que a única permissão no Reclame Aqui da história do Jornal é legítimo e nos ajudou a lembrar que somos um esforço coletivo com pontos cegos. Não se trata de uma entidade mística que sobrevive sozinha. Dependemos de gente, dos Correios, de saúde física, do tempo, do humor, da adesão, de um certo regime de fé. Aliás, se o seu exemplar está atrasado, não deixe de nos avisar. Mesmo.

Além disso, projetos independentes costumam operar com margens apertadas e orçamentos comprometidos por despesas fixas (como impressão, postagem, servidores, taxas bancárias, equipe etc.). Em um cenário de renovações de assinaturas cada vez mais rotativas, instabilidade econômica e dependência dos Correios como canal logístico, a capacidade de manter a operação sem intermediário exige planejamento rigoroso e resiliência constante. O desafio não é apenas na criação de conteúdo, mas na gestão sustentável do ecossistema que o torne possível.

E aí, entre uma dose de antiinflamatório e outra de resignação, vem o pensamento: se é tão difícil, por que continuamos? Porque seguimos acreditando na importância da circulação física do impresso como forma de criar vínculos reais com o leitor. O envio de um jornal de papel, mesmo diante dos desafios logísticos e financeiros, representa uma defesa ativa da permanência do texto literário fora dos algoritmos e da velocidade das redes. É um gesto de presença, de continuidade e de memória. Queremos ficar em sintonia com os assinantes, com os Correios, com a dor no joelho e, quando dá, com a gente mesmo, porque, no fundo, gostamos muito dessa cachaça feita de chapa, papel, tinta e caracteres. Com ou sem dinheiro, com ou sem ligamento, o RelevO ainda permanece.

2.


“MINHA PARÓQUIA é uma paróquia como as outras. Todas as paróquias se parecem. As paróquias de hoje, naturalmente. Ontem, eu disse ao vigário de Norenfontes: o bem e o mal devem equilibrar-se numa paróquia, só que o centro de gravidade é colocado em baixo, muito em baixo. Ou, se se preferir, um e outro se sobrepõe, sem mistura-se, como dois líquidos de densidade diferente. O padre riu em minha cara. É um bom cura, muito benevolente, muito paternal e que passa mesmo, no Arcebispado, por um espírito forte, um tanto perigoso. Suas troças fazem a alegria dos presbitérios e ele as apoia com um olhar que desejaria vivo, mas que eu acho, no fundo, tão gasto, tão cansado, que me dá vontade de chorar”.

George Bernanos em Diário de um pároco de aldeia , Agir, 1951

E o que fizemos para captar novos recursos e manter o periódico em circulação com menos notificações e mais caixa? Nos últimos meses, começamos a oferecer consultoria literárias de forma mais estruturada, com foco em leituras críticas e orientar os autores nos caminhos da publicação, da preparação de originais e das estratégias para fazer o texto chegar em mais leitores — um trabalho que já fazíamos informalmente desde 2010, mas que agora ganhou corpo e escopo (e, por que não dizer, menos vergonha de divulgar. Como, sofremos de certa síndrome do impostor).

Esse novo passo profissional foi importante, inclusive, para sustentar o próprio jornal em momentos mais delicados nas finanças, como nos últimos três meses. Em maio, conseguimos estabelecer o calendário saudável de uma consultoria por semana, fortalecendo nosso orçamento, algo que você poderá consultar na prestação de contas de junho.

Se tiver interesse pelo serviço, não hesite em nos acionar. Até para entender seus objetivos específicos.

3.

Neste quase epílogo, sabemos que o Jornal cresceu em leitores, em alcance e em número de colaborações, mas mantém uma estrutura praticamente artesanal. É por isso que reportamos a prestar contas de modo ainda mais detalhado; contar os gargalos da logística, os acertos, os erros e as pequenas vitórias que nos sustentam mês a mês. Essa transparência não é um gesto protocolar: é uma tentativa de manter aberta a ponte com quem caminha conosco. É dizer: "Estamos tentando. Estamos atentos. Sabemos onde falhamos — e onde precisamos melhorar".

Sabemos também que o modelo atual, mais centralizado do que deveria, não é mais compatível com o tamanho que o RelevO alcançou. Mas não queremos, por outro lado, nos transformar em algo impessoal, engessado ou automatizado. Crescer, para nós, precisa significar crescer com coerência. Isto é, manter o vínculo sem deixar a atenção solta. Também passa, sobretudo, por mais custos financeiros.

Em tempos em que tudo é rápido, automático e padronizado, acreditamos que ainda faz sentido existir algo como o RelevO — um jornal de papel que erra, que produz humor, que é escrito e montado manualmente, mas que tenta conversar com seus leitores como quem escreve uma carta. Não queremos ser apenas mais uma entrega no meio da pilha de correspondências ou uma reclamação pública seguida da carinha triste clássica ​​, a original, demonstrando tristeza, decepção, ou preocupação a uma notícia ruim.

Queremos criar vínculo, provocar, tensionar o texto e, ao mesmo tempo, abrir espaço para vozes que não se encaixam no circuito literário tradicional. Para que isso continue sendo possível, precisamos de escritores, precisamos de leitores, precisamos de assinantes. Não parece um circuito tão complexo em uma leitura rápida.

Por fim, a quem segue conosco, mesmo diante dos tropeços, deixamos aqui um obrigado que não é genérico. É direto: obrigado por insistir. Por cobrar. Por discutir. Por resposta. Por rir de nós (ou conosco). Estamos aqui, mais uma vez, tentando resolver o que precisa ser resolvido — sem perder de vista o que nos faz continuar.

Com atenção e comprometimento,

Daniel Zanella
1

Aliás, assista ao comovente Pangolim: a viagem de Kulu , novo filme da cineasta Pippa Ehrlich, a mesma do Professor Polvo .

GAZETA SANTA CÂNDIDA, JORNAL QUE TEM O QUE FALAR

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