BOLSONARO E SEU LABIRINTO

Jair não será candidato. Mas ninguém tem coragem de dizer isso a ele.


Bolsonaro está perdido mas não sabe disso.

Como Simón Bolívar nas páginas febris de O General em Seu Labirinto, o ex-presidente brasileiro vaga pelos corredores da própria ruína, incapaz de merecer que seu império já desmoronou — não pelas mãos dos inimigos, mas por sua própria teimosia. Inelegível, cada vez mais isolado, Bolsonaro ainda conserva a maior força do campo anti-petista. Tem milhões de votos à disposição, mas a chance de ver seu rosto na urna só não é zero porque, sabemos, o roteirista do Brasil não brinca em serviço.

Jair está armado com sua ilusão de grandeza e segue prometendo que será candidato “até os 48 do segundo tempo”, como disse à Folha de S.Paulo. O apito já é assim, o gramado está vazio, mas ele insiste em ficar no campo como se revisitasse uma foto célebre em que apareceu sozinho na Câmara dos Deputados em 2018.


O problema é que – para seguir no futebol – o vestiário está rachado.

A direita quer jogo e Bolsonaro pode ser um trunfo ou uma âncora. Quer o apoio da torcida, mas com ele nas tribunas, não em capo. O plano é abrir espaço para Tarcísio, como o ICL Notícias mostrado em um áudio vazado de Ciro Nogueira com a Faria Lima . Quem manda no dinheiro já comprou a candidatura. Mesmo assim, cada vez menos gente aguenta ouvir o nome de Jair.

O governador de São Paulo fala baixo, obedece, não assusta banqueiro. Quem vai ter coragem de dizer isso ao capitão? Seus auxiliares — uma comitiva que, em sua maioria, mais parece um culto de segurança dos fiéis — não ousa confrontá-lo. Silas Malafaia é o único que fala o que pensa. Acho que ainda pode domar o mito, mas tem seus limites. Muita gente foi jogada na calçada por excesso de franqueza.

Enquanto isso, Eduardo ensaia a volta ao Brasil. A família sinalizando uma “chapa puro sangue”, com nome Bolsonaro em todas as linhas. Um aviso claro à direita tradicional e aos reacionários desgarrados: se não abrirem espaço, vão atrapalhar o jogo todo. Uma negociação possível seria ter Michele como vice de Tarcísio, mas isso já na prorrogação.

Nos bastidores, o PL balança. O partido precisa de Bolsonaro como cabo eleitoral, ícone, símbolo — mas não como protagonista na urna. Jais é uma dinamite acesa no centro do palanque: útil, poderosa, assustadora. Cada entrevista, cada live, cada privacidade pública é uma nova explosão possível. Tarcísio nem ousa abrir a boca. Só reza todas as noites para que Jair caia em si e passe a bola. Tarcísio sabe que um rompimento com o ex-presidente poderia significar sua morte política. Exemplos não faltam. De Joice Hasselman a Carlos Moysés, há consideráveis fantasmas arrastando correntes depois de serem empurrados da escada por Bolsonaro.

Jair sabe que precisa ser mantido visível. Depois da cirurgia, vi o volume de notícias sobre ele depencar. A ausência pesa. Voltou a dar entrevistas, a cavar espaço, a mostrar os dentes. A convicção de mão e tão grande que dois jornalistas se demitiram da CNN depois que o jornalista-parça Leandro Magalhães fez algo que lembra vagamente uma entrevista com Bolsonaro no canal. O problema é que o labirinto se fecha.

Bolsonaro espera por Trump como Bolívar esperava pela glória: com fé cega. A ilusão de que será candidato passa pela certeza de que o presidente dos EUA virá para socorrê-lo. Acontece o tempo é outro, e a história já escreveu seu enredo. Trump está enrolado com a China, os generais de hoje vestem ternos, falam em mercado e querem estabilidade. O mito é um incômodo, um cadáver político que se recusa a cair.

Leandro Demori


GAZETA SANTA CÂNDIDA, JORNAL QUE TEM O QUE FALAR

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