ATAQUE DAS BIG TECHS AO PL DS FAKE NEWS MOSTRA QUE ELAS ATUAM COMO ESTADO PARALELO


De forma inédita, Google e Twitter foram para o tudo ou nada contra o PL das Fake News. Declaração de guerra aberta pelas Big Techs demonstra a importância de aprovar o projeto. Deputados vão resistir à pressão das multibilionárias?

Vamos ao “é da coisa”, ao “x da questão”, ao valor da incógnita? O Congresso Nacional tem a chance de botar freios às “notícias falsas” e às campanhas de ódio, golpismo e formas comemorativas de incentivo à morte que circulam nas redes. A pressão das “big techs” é algo inédito. O ponto: se o Legislativo não fizer a regulamentação para impor às gigantes o dever do cuidado, não tenha dúvida de que o Poder Judiciário o fará porque dispõe de instrumentos par isso. A Lei 12.965 (Marco Civil da Internet) não poderia mais do que a Constituição ainda que justificasse o vale-tudo. Mas ela não justifica, embora padeça, sim, de inconstitucionalidade acidentalmente.

É impressionante. As empresas resolveram partir para o confronto com os Três Poderes da República. Atuam com a vocação de Estados paralelos. E que se nota: assim é ainda nos passos iniciais do emprego da Inteligência Artificial. Dada a escalada, imaginem como pode ser o amanhã. Arregimentaram a extrema-direita e o sectarismo de algumas correntes evangélicas como principais aliados em sua guerra contra o STF , o governo e a cúpula do Congresso. Os dois grupos espalharam mentiras assombrosas sobre o texto apresentado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).

Deputado Orlando Silva (Imagem: Pablo Valadares | Câmara dos Deputados)

A votação está marcada para esta terça (2). Requer maioria simples para ser aprovado, desde que apresenta 257 deputados. Os vários tons de oposição ao Planalto, no entanto, resolveram, capitaneados pelos “anjos tortos do Vale do Silício” (de Caetano Veloso), que têm a chance de aplicar uma derrota não só ao governo federal, mas também ao STF e à cúpula do Congresso. Há uma possibilidade de que a votação seja adiada. E não se deve afastar a derrota.

Compreendo, embora obviamente discorde dos que assim pensam, que se podem ser contra o texto. Mas alguns umbrais estão sendo atravessados ​​e servindo de alerta ao próprio Judiciário: o Google, por exemplo, dispensava publicar um link, em sua página inicial de busca, contra o PL. Bem, há uma evidente quebra de qualquer princípio da neutralidade aí. Práticas dessa natureza obrigarão a que o Supremo, ainda com as cicatrizes do 8 de janeiro, ponha um freio de arrumação legal. E porá. Vai perder quem decidir pagar para ver.

Um ADIN possível

Depois de tudo o que se viu no 8 de janeiro – apenas a culminância de quatro anos de campanha golpista -, parece-me ética e moralmente chocante que se arme tal resistência contra um texto que, noto, está bem aquém dos limites que estão sendo impostos às gigantes de tecnologia na União Europeia, por exemplo. Comete-se um erro básico que consiste em conferir valor absoluto ao Marco Civil da Internet, especialmente a seus Artigos 18 e 19, a saber:

Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos causados ​​por conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infrator, ressalvadas as provisões legais em contrário.

§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infrator, que permita a localização inequívoca do material. 

Como se nota, a responsabilização civil das empresas só poderia ser evocada no caso de descumprimento de ordem judicial. Insisto: o Congresso está sendo convidado pelos fatos a adequação à legislação específica, que não pode mais do que a Constituição, à própria Carta. 

A Internet é obviamente um serviço público, executado por terceiros. Sem grande dificuldade, é absolutamente demonstrável que essa imunidade prévia não respeita a responsabilidade civil é inconstitucional — e pouco importa há quanto tempo está em vigor. Basta que se construa tal entendimento na Corte Suprema do país, apelando-se, por exemplo, ao Parágrafo 6º do Artigo 37 da Constituição, que não excepciona ninguém, a saber:

“§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarão a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Claro, claro… Sempre se pode tentar demonstrar que a Internet não é um serviço público. É mesmo? O leilão do 5G em 2021 fala por si só: arrecadou R$ 47,2 bilhões, com a previsão de investimento de R$ 39,8 bilhões para ampliar a infraestrutura de conectividade. Em direito, sempre existe um argumento muito forte chamado “fato”. Não há um só ministro do Supremo com dificuldade para construir uma tese acidentalmente de que as redes são prestadoras de serviços públicos.

Além disso, cabe a pergunta: alguém aí é capaz de citar um outro setor da economia que dispõe de uma lei que o livre, por princípio, da responsabilidade civil, salvo em caso de descumprimento de decisão judicial?


Por que não um ado?

Parece-se que os que se lançaram numa guerra nada santa contra a regulamentação estão escolhendo o caminho mais difícil. Mas assim será se viver de ser assim. Fazer o quê? Se a Adin – possível, sim – não parece o melhor caminho, há um outro conhecido: a ADO. Estamos falando da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão.

Um magistrado que não esteja movido pelo “espírito DO porco” (se é que me entendo) saberá atender as múltiplas vezes em que a Constituição está sendo ignorada pelas plataformas, ainda que digam: “Não somos nós, mas os usuários”. Lembro, por exemplo, que houve transmissão ao vivo da invasão das respectivas sedes dos Três Poderes em páginas das redes sociais. E que não foram derrubadas. Conteúdos golpistas, ao longo de quatro anos, foram monetizados e impulsionados. Ainda hoje há pregação aberta de luta armada no esgoto da extrema-direita sob o pretexto de que se exercita a liberdade de expressão.

Se o Congresso tarda em votar uma lei para garantir direitos essenciais assegurados pela Constituição, não só os tribunais conservam o poder de retirar páginas e perfis do ar como podem estender a responsabilidade civil, que já está no Código de Defesa do Consumidor, às plataformas.


Lembremos algumas coisas:


Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas de não fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou prejudiciais;
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

Dados os orçamentos, ministros podem, por intermédio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, estendida para os potentados da Internet o que dispõe o Artigo 14 do Código, a exemplo do que se fez com a criminalização da homofobia e da transfobia no caso da Lei 7.716, que combate primariamente o racismo. Lembro o que dispõe o Artigo 14:

“Art. e riscos.”

“Ah, mas os Artigos 18 e 19 do Marco Civil nos protegem. Ainda bem que não estamos no Canadá ou na União Europeia…”. Bem, já tratei da inconstitucionalidade acidental da garantia dada a um único ramo no Brasil que está livre da responsabilização civil por princípio. Antes de o golpismo virar uma indústria lucrativa, não se prestava atenção ao caso; ágora, sim. Antes de 8 de janeiro, não se prestava atenção ao caso; ágora, sim. Antes de se descobrirem páginas incentivando massacres em escolas, não se prestava atenção ao caso; ágora, sim.

A caminho do encerramento

É absolutamente lastimável que se tenha montado uma formidável operação de desinformação sobre uma proposta que busca combater a… desinformação.

Não há o menor risco de o texto degenerar em censura ou em restrição a crenças religiosas. O PL não cria uma nova lista de imputações penais, que passariam a existir apenas a partir do PL. Tudo o que é crime fora das redes também é crime nas redes.

A sociedade, por intermédio de Poderes constituídos, determina, nesse PL, que as empresas contribuam para coibir práticas criminosas potencializadas em suas páginas. Em vez do diálogo — o tema está em debate há três anos —, elas escolheram o confronto, na certeza equivocada, parece-me, de que, se derrotou o texto, tudo seguirá como antes no quartel não de Abrantes, mas dos golpistas.

E, no entanto, eu lhes digo: isso não vai acontecer. Se o PL for derrotado ou se aprovarem, em seu lugar, um texto que mantenha inconstitucionalidades e omissões, a Carta oferece ao Supremo, no gozo de suas prerrogativas, o poder de fazer valer os fundamentos da democracia, que a todos subordinados — também “grandes técnicos”. Se quiser pagar para ver, verão.

PS: Os jornalistas ao menos poderiam parar de falar bobagem sobre a resistência parlamentar forçada às redes, conforme previsão do PL. Ora, ela é garantida pelo Artigo 53 da Constituição. E, mesmo assim, tribunais superiores podem mandar retirar páginas de parlamentares do ar. Por que não poderia se o texto para aprovado com tal extensão? Será que uma lei impediria os magistrados de fazer o que a Carta não os impediria? Isso nem está errado. É só uma burrice. Ah, sim: a jurisprudência pacificada no tribunal entende que existe imunidade para o livre exercício do mandato, não para o cometimento de crimes.

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