GOVERNO QUER CONGELAR SALÁRIO E APOSENTADORIAS PARA PAGAR A CONTA DA CAMPANHA; MAS NÃO É SÓ ISSO

A bola da vez é o plano de Paulo Guedes para mudar a política de valorização do salário mínimo. A proposta foi colocada em uma reunião a portas fechadas com empresários, mas o plano vazou. Bolsonaro temia o impacto político e eleitoral da medida e queria que o tema só fosse pautado depois do dia 30 de outubro

Bolsonaro e Paulo Guedes


por Carlos Juliano Barros*

O ministro da Economia, Paulo Guedes, é definitivamente uma pessoa de ideias fixas. Quer um exemplo? Vira e mexe, ele ressuscita a proposta da Carteira Verde e Amarela, regime com menos direitos que os previstos na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

A proposta é baratear a contratação para gerar empregos, ainda que a literatura econômica não reconheça uma ligação direta entre uma coisa e outra.

Basta lembrar que, uma década atrás, a formalização avançava e a desocupação no Brasil girava no patamar mínimo histórico de 5,5%, com a CLT em pleno vigor.

O ponto é que os encargos trabalhistas influenciam mais no valor dos salários do que na criação de empregos propriamente dita. Mas esse não é o assunto da coluna de hoje.

A bola da vez é o plano de Guedes para mudar a política de valorização do salário mínimo, vazado pelo jornal Folha de S. Paulo na semana passada.

Basicamente, a reposição das perdas levaria em conta o tal “centro da meta da inflação” — e não a inflação medida na ponta do lápis. Na prática, haveria grandes chances de o salário mínimo perder ainda mais poder de compra.

E qual seria o objetivo dessa manobra? Acima de tudo, suavizar o impacto orçamentário sobre as contas da Previdência e da Assistência Social.

Hoje, ninguém que recebe aposentadoria ou Benefício de Prestação Continuada — o BPC, pago a pessoas muito pobres — pode ganhar menos que um salário mínimo. Ou seja, se o valor do mínimo sobe, as despesas do governo também crescem.

No já distante ano de 2019, quando ainda gozava do status de “Posto Ipiranga”, Guedes jogou no ar a história dos 3Ds (desindexar, desvincular e desobrigar) que, nos últimos dias, voltou com força.

Era uma tentativa de reformar o orçamento do Estado, engessado por uma série de gastos carimbados por lei. O sonho do ministro sempre foi o de quebrar o elo obrigatório entre o salário mínimo e o piso das aposentadorias e dos benefícios sociais.

“Nós íamos desindexar tudo. Mantivemos a indexação do salário mínimo e dos benefícios previdenciários a pedido do presidente Bolsonaro”, confessou Guedes em coletiva no dia 5 de novembro daquele ano.

Na verdade, o plano ia além: além de permitir que aposentados recebessem menos que um salário mínimo, a ideia era congelar o valor dos benefícios por até dois anos. Nas contas da equipe econômica, seriam liberados R$ 60 bilhões para bancar o programa que sucederia o Bolsa Família, então batizado de Renda Brasil.

Por determinação de Bolsonaro, que já temia o impacto político e eleitoral da medida, o plano foi abortado. Mas o espírito do projeto continuou pairando no ar e voltou à baila às vésperas da eleição, repaginado.

Em outras palavras, é como se Guedes dissesse: “entendemos o recado de três anos atrás: ninguém vai receber menos que um salário mínimo. Mas, em compensação, não podemos garantir que o salário mínimo vá recompor as perdas causadas pela inflação, talquei?”

O ministro até vem tentando com truques retóricos amenizar a confusão criada a poucos dias do pleito mais acirrado da história do país. Mas, no fundo, tudo não passa de um grande “eu avisei”.

Ou seja, se Bolsonaro for reeleito, ninguém poderá dizer que a proposta não veio à tona nas eleições, mesmo que parcialmente desmentida por Guedes.

É o mesmo teatro que o atual presidente faz em relação ao Supremo Tribunal Federal. Num dia, morde com a possibilidade de intervir na corte máxima, aumentando o número de juízes ou destituindo desafetos do cargo. No outro, assopra com o papo de que só quer paz.

Mais R$ 21 Bilhões para garantir votos

Desde agosto, mês de início da campanha eleitoral, o governo federal aumentou em pelo menos R$ 21 bilhões os repasses de dinheiro direto para eleitores que são beneficiários de programas sociais.

O ritmo da transferência de recursos para os eleitores ganhou velocidade em outubro, enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) tenta reverter a diferença de 6,2 milhões de votos que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve no primeiro turno.

Não é possível saber o número total de pessoas impactadas pelo montante porque cada uma pode receber mais de um benefício. Para referência, o total de beneficiários do Auxílio Brasil é de 21,1 milhões de pessoas —em famílias que vão de uma a oito pessoas.

Após o primeiro turno, a Caixa Econômica Federal começou a conceder dinheiro para beneficiários do Auxílio Brasil e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), com um empréstimo consignado cujo lastro é o próprio valor mensal pago pelo governo.

Em apenas três dias de operação, de 11 a 13 de outubro, a Caixa distribuiu R$ 1,8 bilhão aos beneficiários dos programas sociais (em média, R$ 2.600 em cada empréstimo, cuja taxa de juros é de 50% ao ano)

A manobra para comprar votos

Desde 1997, quando foi aprovada uma ampla reforma na legislação eleitoral, os governos federal, estaduais e prefeituras passaram a conviver com restrições dos gastos durante os períodos de eleição, que impediam, por exemplo, a criação de novas despesas ou a distribuição de benesses em período de campanha.

Isso mudou em julho deste ano, quando Bolsonaro conseguiu o apoio do Congresso para aprovar uma ‘PEC Kamikaze’ (Proposta de Emenda à Constituição) que permitiu a expansão de programas sociais durante o período eleitoral. Na prática, compra de votos.

“O desmonte dos mecanismos de controle de gastos já vinha ocorrendo desde o ano passado, mas o problema da PEC ‘Kamikaze’ não foi só o aumento de despesa. Mas também acabar com qualquer tipo de restrição de gasto em tempo de eleição, algo que o país vinha respeitando desde os anos 1990”, interpreta o ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central Alexandre Schwartsman.

Para o economista, o afrouxamento das regras deve ser visto como um exemplo de degradação institucional. As restrições, diz ele, foram criadas para impedir quem está no poder de cair numa “tentação” de criar novos gastos em período eleitoral, às custas do caixa do Estado e das políticas públicas de médio e longo prazos.

“[A PEC] criou um estado de emergência que não existia para justificar o pagamento de benefícios que estão fora do orçamento, na véspera da eleição. Sem dúvida alguma, isso caracteriza uma política pública com fins eleitorais”, diz Gustavo Fernandes, professor do departamento de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Segundo ele, o gasto do governo tende a ter um grande impacto na economia. “Como as pessoas vão pegar esse dinheiro e pagar suas dívidas, gastar em consumo, fazer reparos em casa, isso move a economia local, o mercado, a quitanda, a distribuidora de gás”, exemplifica.

*Carlos Juliano Barros é economista e escritor

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