Entrevista com o terapeuta e especialista em alcoolismo e dependência química, José Plínio de Amaral Almeida – por Isabela Collares
Especialista em dependência química, assistente social e terapeuta familiar, José Plínio de Amaral Almeida, trabalha há vinte e cinco anos no tratamento da adicção. Todos os dias ele estrutura seminários com diferentes conteúdos destinados a pessoas que buscam ajuda. São temas variados, que instigam a capacidade reflexiva de seus pacientes quanto à crise que sofreram em relação ao consumo de uma determinada substância. Depois de algumas explicações sobre a questão do sistema de crença como ponto chave no processo de uso do álcool e demais substâncias, o terapeuta abre espaço para o debate. Aos poucos vão surgindo dúvidas e relatos pessoais que confirmam pontos importantes que foram levantados no estudo. Cada indivíduo passa a adaptar as vivências pessoais àquele seminário, numa forma de observar a crise por meio de um viés mais racional. Ao término do seminário, peço que ele esmiúce mais o tema que propôs minutos atrás sobre sistema de crença. A explicação se dá num tom leve e bem-humorado; características típicas, na opinião da entrevistadora, de alguém que fala com propriedade sobre o tema questionado.
“Todo e qualquer comportamento do indivíduo está relacionado ao seu sistema de crenças. O seminário de hoje foi baseado nos estudos da Teoria Cognitiva Comportamental de Aaron Beck, que consiste na ideia de que nossa vida segue de acordo com nossas crenças e são elas que estão por trás de nossas vitórias ou derrotas. Assim, conhecê-las é uma parte fundamental no processo de capacitação emocional” explica o especialista. Mas e como adaptar esse sistema de crenças, por exemplo, a questão da defesa ao consumo de álcool? Segundo o doutor Plínio, no caso do álcool, o esquema pode ser resumido por meio de três tipos de crenças, como: “a bebida dá prazer”, “a bebida pode aliviar o mal-estar existencial” e “a bebida como meio de fugir da realidade”. Ou seja, fuga da própria vida. Em suma, as letras A, B e C vistas há pouco no quadro da sala de reuniões representam, cada uma, um sentido diferente. A letra “A” representa o evento em si, a letra “B” representa a interpretação que se dá ao evento e a letra “C” indica a ação, o comportamento do indivíduo. A questão da banalização do álcool estaria representada pelo erro de interpretação que se dá ao consumo da substância. E isso não é identificado apenas nos jovens que apontam uma crise em relação ao abuso de bebidas. Se a sociedade se mostra tão permissiva quanto ao consumo de álcool, é por que há falha na interpretação.
Dessa forma, as técnicas cognitivas são eficientes para corrigir a tendência a fazer interpretações incorretas referentes aos eventos. “Para entender melhor como funciona isso, sugiro que seja feita a pergunta “para que” e não “por que” as pessoas bebem. Do segundo tipo de questionamento podem surgir quinhentas respostas diferentes, como a questões culturais, sociais, enfim. Porém, a partir do “para que” as pessoas ainda insistem em beber, é possível sair da zona de superfície para se deparar com razões específicas que vão de encontro com a forma como cada um vê o mundo” explica. Daí fica evidente que tanto a crise como o próprio tratamento, partem dos pensamentos ou cognições do paciente. Estar ou não consciente disso, pode definir muita coisa.
Quando questionado sobre o fato dos jovens estarem experimentando bebida alcóolica muito cedo, o especialista faz um alerta: “como a bebida tem entrado já no início da puberdade, pode haver sérios prejuízos no desenvolvimento de toda estrutura fisiológica do adolescente, além de lesões de ordem psicológica, emocional e afetiva. Isso muda toda uma vida” comenta. O terapeuta também enfatiza que, infelizmente, o jovem só costuma pedir ajuda quando a crise está estabelecida. Isso por que, segundo ele, por trás de uma batida de carro num estágio de embriaguez, é provável que haja um histórico pesado de bebedeiras. Assim, o maior entrave para iniciar o tratamento é o peso social. “Numa sociedade que fecha os olhos quanto ao uso do álcool e banaliza as consequências desastrosas do seu uso, é preciso de posicionar” afirma Plínio.
Para o doutor Plínio, a melhor forma do jovem se manter posicionado é não ir na onda dos outros, assumindo responsabilidades perante a vida, perante as pessoas. Segundo o especialista, vale a pena ser diferente pelo ponto de vista da própria cidadania, que não deve ser compreendida apenas como um conjunto de direitos e deveres, mas também como uma questão de consciência em relação a nossa contribuição para uma sociedade melhor. “Para atuar na vida de maneira plena, a lucidez e o discernimento se fazem necessários. Seguir o grupo e passar a vida se deixando levar por crenças insanas, é coisa de alienado” diz em tom bem-humorado. E o especialista segue a narrativa fazendo um convite à reflexão. “Quando se trata de álcool, o posicionamento por parte do jovem deve ser ainda maior, já que muitos adultos, incluindo aí familiares, professores e pessoas próximas, têm um sistema de crença em relação ao consumo de bebidas bastante deturpado” diz.
Na visão do terapeuta, há algumas características marcantes do jovem que consegue seguir a vida depois de ter apresentado uma crise em relação ao consumo de álcool ou outras substâncias, tais como o aumento da racionalidade. A emoção, que antes ocupava o maior espaço, agora é notoriamente substituída pela razão. A pessoa que consegue retomar a própria vida, conseguiu, segundo o especialista, descontruir o sistema de crença de que é necessário beber, curtir e relaxar para tudo fazer sentido. “Quando a conversa é sobre resultados eficazes, a moral e a religião ocupam terrenos pouco expressivos, já que, mais uma vez, a questão da crise está atrelada ao que o indivíduo entende por verdade. Seguindo esse raciocínio, a gente passa a entender por que o Programa dos Doze Passos, praticado em Alcoólicos Anônimos, funciona. Toda a programação está pautada no processo de reciclagem da consciência. Ou seja, se submeter a uma nova forma de pensar, é o que realmente traz resultado” comenta.
GAZETA SANTA CÂNDIDA, JORNAL QUE TEM O QUE FALAR
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