Obter o sangue de pessoas mais jovens para ter uma vida melhor e longeva parece uma estratégia restrita às páginas do romance Drácula, de Bram Stoker. Mas foi também a promessa da startup americana Ambrosia Health — até que a regulação a parasse, no mês passado. No caminho, ficaram 140 clientes que compraram a vampiresca ideia.
A Ambrosia Health foi criada na Califórnia em 2017, pelo médico (graduado na Universidade de Stanford, mas sem licença para exercer a profissão, segundo o Business Insider) Jesse Karmazin. O fundador afirmou ao veículo que sua ideia poderia desafiar o envelhecimento, por meio do rejuvenescimento de órgãos a partir da infusão de sangue jovem em pacientes mais velhos.
A Ambrosia dependia de doações de sangue em bancos locais para operar. A partir de diversos sacos, era possível separar apenas o plasma, parte líquida do sangue, e vender injeções intravenosas. O tratamento custava de oito mil dólares (um litro) até 12 mil dólares (dois litros). A Ambrosia Health atendia regiões como Houston (Texas), Los Angeles (Califórnia), Omaha (Nebraska), São Francisco (Califórnia) e Tampa (Flórida).
Cerca de 140 pacientes haviam comprado a ideia até setembro de 2018, quando começou uma nova bateria de testes clínicos. Os estudos foram finalizados em janeiro deste ano e seus resultados não foram abertos ao público — mas Karmazin afirmou ao Business Insider que foram “muito positivos.”
Porém, não há evidência concreta de que as infusões de plasma de sangue jovem poderiam combater o envelhecimento. A ideia foi testada em ratos pela startup de longevidade Alkahest, por meio de uma técnica cirúrgica chamada parabiose. Ao trocar o sangue entre dois organismos vivos, a Alkahest apurou “benefícios cognitivos limitados”. Porém, o objetivo da startup é desenvolver medicamentos inspirados nos estudos com o plasma, e não simplesmente abrir uma clínica para injetá-lo em humanos, como é o caso da Ambrosia Health.
A Ambrosia se apoiava na aprovação da agência reguladora americana Food and Drug Administration de transfusões de sangue em caso de emergência — o que geralmente se refere a acidentes. Até que, em fevereiro deste ano, a FDA mandou um recado que parecia endereçado à startup.
“Não há benefícios clínicos comprovados da infusão de plasma de doadores jovens para curar, mitigar, tratar ou prevenir essas condições [envelhecimento], e há riscos associados com o uso de qualquer produto baseado em plasma”, afirmaram os agentes da FDA Peter Marks e Scott Gottlieb em comunicado conjunto.
Segundo a FDA, o plasma não é um tratamento adequado para envelhecimento, perda de memória e doenças como Alzheimer e Parkinson. As infusões estão associados a problemas como alergias, infecções e dificuldades cardiovasculares e respiratórias. Depois do comunicado, a Ambrosia Health interrompeu os tratamentos.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabelece critérios para a doação de sangue e alerta sobre as possíveis reações adversas às transfusões. Também publica manuais com orientações sobre, por exemplo, o transporte de bolsas de sangue. Não consta material, porém, que regule a validade científica das promessas de empresas que realizem tais procedimentos.
O problema das healthtechs
A ideia de combater o envelhecimento é uma moda na meca das startups, o americano Vale do Silício. Em 2012, o investidor Peter Thiel afirmou que “a morte é um problema que pode ser solucionado” e manifestou interesse na infusão de sangue jovem. A obsessão dos negócios inovadores da região de São Francisco com a imortalidade virou até piada na série de televisão Silicon Valley, com o guru Gavin Belson sendo seguido por um garoto doador de sangue. O citado experimento com ratos aqueceu o interesse pelo “plasma rejuvenescedor.”
Porém, o grande desafio para as startups focadas no segmento de saúde está em comprovar suas teses. “Mova-se rápido e quebre tudo”, mandamento adotado por muitos negócios inovadores e escaláveis, geralmente não pode ser replicado pelas healthtechs. Mesmo assim, dezenas delas publicaram pouca ou nenhuma pesquisa científica sobre seus métodos. O que não impede que o dinheiro dos investidores continue entrando, com 9,6 bilhões de dólares investidos em empresas americanas do setor no último ano.
O exemplo mais claro do problema dessa falta de comprovação científica se deu na Theranos. Sua fundadora, Elizabeth Holmes, parecia estar no topo do mundo há poucos anos. A empreendedora que abandonou o curso de engenharia química na Universidade de Stanford aos 19 anos de idade para fundar uma startup já foi considerada a mulher mais rica dos Estados Unidos por meio de fortuna própria. Mas a Securities and Exchange Comission (SEC), entidade que regula os mercados de capitais nos Estados Unidos, condenou a empresa de testes de sangue, Holmes e o ex-presidente Ramesh Balwani por uma “fraude massiva”.
A principal acusação é a de que os empresários teriam levantado mais de 700 milhões de dólares (na cotação atual, aproximadamente 2,3 bilhões de reais) de investidores por meio de uma “elaborada fraude que durou anos, na qual eles exageraram ou deram testemunhos falsos sobre a tecnologia da companhia, sobre o negócio e sobre a performance financeira.”
As falas da Theranos teriam levado investidores a acreditarem que o principal produto da startup – um teste de sangue portátil – poderia conduzir exames complexos com apenas algumas gotas, revolucionando a indústria de testes sanguíneos. Mas, de acordo com o relatório da SEC, o equipamento só poderia completar um número pequeno de exames.
A popularização posterior de startups como a Ambrosia Health mostra que, apesar dos esforços dos reguladores americanos, o desejo dos consumidores pela solução mais fácil de problemas de saúde, mesmo que incorreta, está longe de terminar.
Mariana Fonseca, Exame
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