CÂMARA SILENCIA DIANTE DO DISCURSO DO 1° DEPUTADO FEDERAL CEGO



Felipe Rigoni Lopes (Imagem: Facebbok) 


Primeiro deputado cego silencia a Câmara Federal com discurso de superação pessoal e chamado à mudança 

No último dia 1º, o engenheiro de produção Felipe Rigoni, de 27 anos, entrou para a história do país ao assumir o mandato de deputado federal pelo PSB do Espírito Santo. Primeiro cego a tomar posse na Câmara, Felipe conseguiu outras duas proezas na quarta-feira (20) passada, quando fez seu discurso de estreia da tribuna: silenciou o barulhento e confuso plenário da Casa e, por alguns segundos, uniu colegas da oposição e do governo em aplausos. 


Da esquerda à direita, todos os presentes fixaram o olhar no jovem parlamentar e ouviram seu depoimento de superação pessoal e seu clamor por uma mudança de atitude em respeito à vontade popular. Segundo o Censo de 2010 do IBGE, mais de 6,5 milhões de brasileiros têm alguma deficiência visual. Dessas, mais de 528 mil não conseguem enxergar absolutamente nada, a exemplo de Rigoni.


O jovem deputado perdeu a visão completamente aos 15 anos, após passar por 17 cirurgias para tentar reverter uma uveíte (inflamação provocada nos olhos) que o perseguiu desde a infância. Doze anos depois de ficar cego, ele saiu das urnas com 84.405 votos na condição de segundo deputado mais votado de seu estado. 

Formação política 


Entre um episódio e outro, concluiu o mestrado em Políticas Públicas na Universidade de Oxford, na Inglaterra, graduou-se em Engenharia da Produção, na Universidade Federal de Ouro Preto (MG), e liderou o movimento Empresa Junior, reunindo mais de 10 mil estudantes. Nos últimos anos, passou a integrar dois movimentos que pregam a renovação das práticas políticas, o Acredito e o Renova Br, que também ajudaram a eleger outros parlamentares em outubro de 2018. 


Em seu discurso de estreia, Felipe Rigoni contou que se revoltou ao constatar que havia perdido a visão quando ainda era estudante do ensino médio. Mas que sua forma de enxergar o mundo mudou quando ouviu uma frase dentro de sua própria casa. 


“Um certo dia, o meu pai me viu chorando na sala de casa, sentou do meu lado e disse assim: ‘Felipe, lembra que você tem uma escolha’, e eu não entendi o que ele falou para mim, mas depois de um tempo, eu comecei a perceber que, de fato, eu não tinha escolha sobre o que estava acontecendo comigo, mas sim eu tinha escolha sobre a atitude que eu teria diante daquilo que me acontecia.” 
Liberdade de escolher 

O capixaba disse que compreendeu melhor as palavras do pai ao ler o livro Em busca do sentido, do austríaco Viktor Frankl, que diz que o ser humano pode se desfazer de qualquer coisa, menos da liberdade de escolher que atitude tomar diante das circunstâncias. 


“Mas por que que eu estou contando essa história? Além, claro, de me apresentar, é também para dizer, pessoal, que o nosso país não vive um momento fácil, e para muitos de nós as escolhas não são muitas. Só que milhões de brasileiros ainda acreditam que temos uma escolha. E as eleições do ano passado mostraram que os brasileiros e brasileiras esperam dessa casa uma nova atitude diante dos desafios do nosso país.” 


O deputado criticou, então, os embates entre governo e oposição e as disputas partidárias que muitas vezes paralisam os trabalhos legislativos. “Independente do nosso campo político, pessoal, direita, esquerda ou centro, precisamos entender que a gente precisa criar e, de fato, produzir uma gestão pública eficiente e inovadora, não importa se a gente é minoria ou maioria, o que importa é que a gente precisa promover igualdade e oportunidade especialmente através de uma educação de qualidade para o nosso país.” 

Novo Brasil 


Para ele, é preciso superar as divergências e construir pontes e diálogos para formar um país mais justo, desenvolvido e inclusivo. “E pouco vale se a gente é governo ou oposição quando o desenvolvimento socioeconômico do nosso país está em jogo. Nós precisamos sim, pessoal, é nos debruçar sobre as evidências científicas que existem sobre cada coisa, respeitando a vontade popular e, claro, entendendo as consequências de cada política nos diferentes contextos do nosso país.” 


Ele promete exercer um mandato coletivo e compartilhado por meio de conselhos formados por representantes de empresários, trabalhadores, jovens e outras parcelas da sociedade que devem auxiliá-lo a direcionar sua atuação política em todo o estado e na Câmara. Em 2016 ele disputou sem sucesso a eleição para vereador em Linhares, sua cidade natal, pelo PSDB. 

Vaquinha virtual 


Eleições Para chegar ao Congresso, Rigoni focou nas redes sociais sua campanha eleitoral, que arrecadou R$ 800 mil. Do PSB, recebeu R$ 150 mil por meio do fundo partidário. O restante veio de doações por transferência bancária e vaquinhas virtuais feitas por pessoas físicas que acreditaram em seus projetos. “Nossa estratégia de captação de recurso foi usar as redes que a gente tinha, como a Fundação Estudar, o Movimento Empresa Junior e contar com o apoio de todo mundo que acredita nessa renovação”, resumiu. “Eu fiquei anestesiado quando soube do resultado. Nossa meta era 80 mil votos, mas eu esperava ter uns 55 mil”, admitiu. 


Atualmente Felipe Rigoni tem oito funcionários em seu gabinete, número bem inferior à média, já que vários deputados chegam a ter até 25 auxiliares. Os assessores foram escolhidos após se submeterem a processo seletivo em quatro etapas – uma forma de privilegiar, segundo ele, a meritocracia. 


O capixaba foi coautor do projeto encabeçado pelo deputado Aliel Machado (PSB-PR) que derruba o decreto presidencial que amplia drasticamente o número de agentes públicos que podem classificar informações públicas como ultrassecretas. A aprovação da proposta foi a primeira derrota na Câmara do presidente Jair Bolsonaro. Rigoni vai integrar a Frente Ética Contra a Corrupção (FECC), que reúne 215 deputados e 6 senadores de 24 partidos e deverá ser lançada oficialmente em 13 de março. 


Leia a íntegra do discurso de Felipe Rigoni: 


“Pessoal, boa tarde. Boa tarde presidente. Primeiro, eu gostaria de agradecer a presença e a receptividade de todos. Eu sou Felipe Rigoni, sou deputado federal pelo Espírito Santo, pelo partido PSB e eu venho de Linhares, uma cidade ao Norte do Espírito Santo e, como todos já devem ter percebido, eu sou cego, e eu não nasci cego, mas fiquei cego depois de nove anos de muita luta contra vários problemas que me aconteceram. 


No ano de 2006, eu comecei a perceber que a cada dia que passava eu enxergava menos. A cada dia que passava todas as técnicas que eu usava para enxergar melhor já não funcionavam mais. Até que um dia eu estava numa aula de português, e eu estava escrevendo um exercício. Um amigo meu virou pra mim e falou bem assim: ‘Felipe, você acabou de escrever três vezes na mesma linha’. 

Eu olhei para o meu caderno e não enxergava, e foi nesse momento que eu tive que virar pra mim e dizer: ‘Felipe, vamos parar de se enganar por que você está cego. Não tem mais jeito’. Eu reconheci a cegueira naquele momento, mas eu não aceitei. Na verdade, eu fiquei muito revoltado. 


E um certo dia, o meu pai me viu chorando na sala de casa, sentou do meu lado e disse assim: ‘Felipe, lembra que você tem uma escolha’, e eu não entendi o que ele falou para mim, mas depois de um tempo, eu comecei a perceber que, de fato, eu não tinha escolha sobre o que estava acontecendo comigo, mas sim eu tinha escolha sobre a atitude que eu teria diante daquilo que me acontecia. 


Anos depois, eu fui ler na filosofia mais fina o significado das palavras do meu pai. O livro Em busca de sentido, do Viktor Frankl, um autor austríaco, ele diz que o ser humano pode se desfazer de qualquer coisa, menos da liberdade de escolher que atitude tomar diante das circunstâncias. 


E foi com essa percepção, que eu tinha liberdade de escolha, que eu me formei como melhor aluno do curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Ouro Preto, tendo liderado mais de 10 mil jovens no Movimento Empresa Junior. Foi com essa mesma escolha que eu acabei de fazer um mestrado em Políticas Públicas, na Universidade de Oxford, na Inglaterra, e foi com essa mesma escolha que eu me tornei líder do Movimento Acredito, do Renova BR, e que conquistei o voto de 84.405 capixabas nas últimas eleições. 


Mas por que que eu estou contando essa história? 


Além, claro, de me apresentar, é também para dizer, pessoal, que o nosso país não vive um momento fácil, e para muitos de nós as escolhas não são muitas. Só que milhões de brasileiros ainda acreditam que temos uma escolha. E as eleições do ano passado mostraram que os brasileiros e brasileiras esperam dessa casa uma nova atitude diante dos desafios do nosso país. 


Enquanto a gente fica aqui obstruindo o andamento de projetos que concordamos só pra marcar uma posição política, tem 60 milhões de brasileiros que estão endividados e quase 13 milhões que estão desempregados. 

Enquanto a gente defende projetos de interesse pessoal, que sequer sabemos se faz sentido ou não, 100 milhões de brasileiros sequer tem esgoto coletado, quiçá tratado. 

Enquanto a gente fica fazendo ou situação pela situação, ou oposição pela oposição, tem cerca de 1,5 milhões de jovens fora da escola. 

Acredito que não foi por esse tipo de atitude que os brasileiros depositaram esperança em nós no ano passado. 

Independente do nosso campo político, pessoal, direita, esquerda ou centro, precisamos entender que a gente precisa criar e, de fato, produzir uma gestão pública eficiente e inovadora, não importa se a gente é minoria ou maioria, o que importa é que a gente precisa promover igualdade e oportunidade especialmente através de uma educação de qualidade para o nosso país. 


E pouco vale se a gente é governo ou oposição quando o desenvolvimento socioeconômico do nosso país está em jogo. Nós precisamos sim, pessoal, é nos debruçar sobre as evidências científicas que existem sobre cada coisa, respeitando a vontade popular e, claro, entendendo as consequências de cada política nos diferentes contextos do nosso país. 

Só assim, construindo pontes e diálogo, é que a gente vai construir um país mais ético, mais justo, mais desenvolvido e mais inclusivo para as próximas gerações. Muito obrigado, presidente.”

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