DITADURA NA BOLEIA


Lástima o rumo que o movimento dos caminhoneiros tomou.

De início, a manifestação era por uma pontualidade objetiva, o exorbitante preço do diesel.

Para o consumidor final, o preço do diesel é irrelevante. Antes disso, o custo do transporte das mercadorias não é o principal fator na elaboração do preço para as gôndolas. Por exemplo, se se comprar um produto direto na fábrica, não se pagará muito mais barato do que se comprar o mesmo produto numa revenda a milhares de quilômetros. Ou ainda, na internete, via de regra, os produtos saem mais em conta, isso que a entrega é exclusiva.

Os caminhoneiros tinham, contudo, o legítimo direito de reclamar do alto custo do combustível usado em seus caminhões – isso sim, pra eles, o principal item da planilha de custo -. Tal equação de preço só servia ao interesse do (deus) mercado. Aliás, continua assim, já que a política de preços da Petrobras continua a mesma e foram retiradas verbas da educação, da saúde e de outras para subsidiar os quarenta e seis centavos de desconto dado ao diesel.

Pela força que ficou provado que têm e, talvez, por uma natural simpatia da população – os caminhoneiros, num país que não investiu e nem investe em ferrovias, literalmente abastecem o País. Além disso, passam meses longe da família e estão na iminência de assaltos -, os motoristas de caminhão logo receberam apoio da quase totalidade dos brasileiros. Os assalariados, por ideologia, e os empresários, por conveniência, se rotulavam com o “somos todos caminhoneiros”.

Logo, o movimento extrapolou o preço do diesel e as reivindicações pegaram outras vias. “Fora Temer” e “abaixo a corrupção!” subiram à caçamba do movimento. Legítimo também. Em tempo de crise ambiental e política, as caronas são bem-vindas.

Só que na boleia do movimento, ali, bem perto da direção dos caminhoneiros, grupos extremistas de direita buzinaram com intervenção militar – que é o mesmo que Ditadura, não adianta sofismar -.

Com isso, o movimento perdeu sua credibilidade. Fosse uma infração de trânsito, era perda do direito de dirigir.

Ouvi respeitados especialistas em política que, ansiosos por defender o caráter democrático do movimento, argumentar que a classe dos caminhoneiros é muito heterogênea e que, por isso, não se podia generalizar. Não foi o que presenciei. Dos quatro acampamentos em que passei, pelo menos três tinham caráter intervencionista (enormes faixas pedindo intervenção militar. Isso é, a “solicitação” ocupava o protagonismo). Conversando com colegas, a impressão era a mesma, a maioria pedia, democraticamente, a volta da ditadura. Um paradoxo. Uma contradição.

Pena, repito, ter acontecido isso. A paralisação dos caminhoneiros e a conseguinte adesão do povo teria força inclusive pra uma utopia da esquerda e da direita brasileira hoje: a destituição do governo golpista e a antecipação das eleições. Mas os caminhoneiros deixaram se ludibriar por infiltrados que, na essência, negam o movimento, já que nas ditaduras as greves são violentamente reprimidas.

Depois, houve quem criticasse os donos de automóveis que entraram nas gigantescas filas para abastecer o carro com gasolina cara. Não estavam errados. Ninguém é obrigado a concordar com o pedido de ditadura. Aliás, obrigações combinam mais com ditadura do que com democracia.

Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político

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