'' O FACEBOOK É UM DOS GRANDES VIOLADORES DE PRIVACIDADE NA INTERNET''

Para Jonathan Stribling, especialista em segurança na rede e diretor da Constitutional Communications, “é muito importante que as pessoas aprendam a utilizar programas e criptografia de código aberto para proteger sua comunicação online”

As leis internacionais que garantem privacidade às pessoas estão sendo constantemente violadas na internet em um processo no qual todos são possíveis alvos. Essa é a opinião de Jonathan Stribling, um dos diretores da Constitutional Communications [Comunicações Constitucionais], entidade que auxilia movimentos sociais de todo o mundo a utilizarem a rede de forma mais segura.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o advogado estadunidense falou como funciona a vigilância em massa e quais são os interesses políticos por trás dela, além de ter comentado a legislação brasileira em relação à internet e o anúncio de que o governo brasileiro fará um acordo com o Facebook para garantir acesso à web para pessoas de baixa renda. 


Jonathan Stribling / Foto: Brasil de Fato


Qual é exatamente o trabalho da Constitutional Communications?

A Constitutional Communications é uma organização de segurança e privacidade digitais que trabalha para assegurar privacidade para movimentos da sociedade civil em todo o mundo. Pessoalmente, meu trabalho está mais relacionado com as questões legais, observando como os direitos de privacidade estão sendo violados pelos grandes atores dentro do campo da tecnologia. Nós temos observado que nos Estados Unidos, a NSA [Agência Nacional de Segurança], e no Reino Unido, a GCHQ [Sede de Comunicações do Governo], estão trabalhando juntos para violar as normas de direito internacional relacionadas à privacidade, especificamente o artigo 17 doPacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, um documento aprovado pela Assembleia Geral da ONU e que está sendo violado pelos nossos governos.

Especialistas que tratam de privacidade na internet têm utilizado a expressão “vigilância em massa”. O que isso quer dizer?

Vigilância em massa é um tipo de tecnologia que os grandes atores da internet estão atualmente utilizando para enfraquecer os direitos de segurança e privacidade de todos os outros que estão utilizando a internet. Especificamente, a NSA está utilizando a vigilância em massa, obtendo todos os dados, o tempo todo, das redes e backbones [uma espécie de espinha dorsal de sistemas de computadores] que compõem a internet. Isso inclui os servidores do Facebook, Google, AOL e Apple, bem como ataques [físicos] à infraestrutura por onde a internet passa: cabos submarinos, que são a base de como fazemos comunicação através da internet, e cabos de fibra ótica pelos quais passam as informações e que estão sendo grampeados.

Mas quem são os alvos desse método de vigilância?

Vigilância em massa significa que os dados de todo mundo estão sendo obtidos. Eles podem acessar esses dados ao longo do tempo. Eles têm uma base de dados que é a maior que já foi criada, com um yottabyte [o maior nível de armazenamento já nomeado] de capacidade, localizada em Bluffdale, Utah [nos Estados Unidos]. Eles terminaram a construção em 2013. Um yottabyte representa mil vezes o que será a internet em 2050. Portanto, eles estão preparados para coletar toda a internet por algum tempo e acessar esses dados quando quiserem.

Ainda assim, alguns indivíduos e governos devem ser objeto de mais atenção, não? Por exemplo, os governos latino-americanos?

Está claro que, por interesses geopolíticos, grandes organizações estão procurando vantagens. Nós sabemos que a agência secreta canadense atacou o Ministério das Minas e Energia brasileiro com o objetivo de obter informações, como a localização de reservas submarinas de petróleo que o Brasil iria explorar. Hoje também sabemos que a agência de inteligência britânica, GCHQ, junto com a NSA, atuou no sentido de influenciar a percepção [da população] em relação ao conflito nas Malvinas [entre o governo britânico e o argentino], não só na Argentina, mas também no Brasil. Eles utilizaram sua capacidade, que não é pequena, para influenciar mídias e redes sociais, plantando informações falsas ou equivocadas.

Nesse sentido, o Marco Civil da Internet não é importante? Ele não ajuda a proteger o usuário brasileiro?

O Marco Civil é muito importante. É um padrão no qual outros países deveriam se inspirar. Entretanto, ele deve ser acompanhado de mudanças na tecnologia, o que nós não temos visto ainda. Tanto o Brasil quanto a Alemanha determinaram em suas legislação como a criptografia deve ser padronizada por toda a internet, mas ainda não tomaram uma posição para que isso realmente ocorra. Nós precisamos que os governos financiem o desenvolvimento de criptografia baseada em softwares livres e sua implementação universal. O Brasil poderia assumir a liderança nesse aspecto e impulsionar outros governos.

Os países do sul global tem uma desvantagem tecnológica se comparados com a NSA ou os governos do norte, que têm um nível tecnológico maior. Para se proteger, eles deveriam mudar para programas de código aberto e criptografia. Seis países latino-americanos anunciaram, ano passado, que passariam a utilizar softwares livres como base para seus governos, mas não está claro se houve uma transição completa para o código aberto nem se eles estão treinando a população em como utilizar softwares livres.

Para termos uma internet livre, então, é necessário que os países adotem novas políticas de ciência e tecnologia?

Sem dúvida. A internet é vista pelas pessoas como uma coisa solta no ar. Parece que todos os dados estão nas “nuvens”. Na verdade, a internet é uma coisa física, composta de cabos de fibra ótica e por servidores onde as informações são guardadas. É necessário que haja leis transparentes de como essa informação é guardada, bem como padrões verificáveis de como os dados estão sendo criptografados e agências independentes que fiscalizem isso.

 Esse modelo ainda não existe, mas o Brasil pode ser um fator para a construção disso. O Brasil tem sido atuante nos espaços da ONU exigindo a construção desses padrões internacionalmente, mas poderia estar fazendo mais para sua implementação.


Foto: Reprodução 

Como você avalia o possível acordo do governo brasileiro com o Facebook, que visa ampliar a inclusão digital e o acesso à internet no Brasil?

O Facebook é um dos grandes violadores de privacidade na internet. As políticas internas não respeitam os direitos de privacidade dos usuários e a relação deles com o governo dos Estados Unidos, garantindo acesso aos servidores, dá acesso direto à toda informação que eles estão coletando. 

Quando o Facebook dá acesso à internet para os cidadãos brasileiros, se eles acessarem através do Facebook, na verdade estão dando todas as suas informações e relações pessoais para o governo dos Estados Unidos. É uma espada de dois gumes: a internet pode ser útil para as pessoas, mas se elas apenas estiverem utilizando as ferramentas do Facebook, todas as suas conexões e relações estarão sendo entregues para o governo americano, o que é negativo.

Antes das mudanças que você julga necessárias, o que um cidadão comum pode fazer hoje para se proteger?

É muito importante que as pessoas aprendam a utilizar programas e criptografia de código aberto para proteger sua comunicação online. Há diversos programas bons que as pessoas podem pesquisar e encontrar. Alguns básicos são PGP, um programa de criptografia para e-mails, e OTR, um programa de chat. 

São bases para sistemas seguros. Uma implementação desses sistemas seguros é o TAILS, um sistema operacional de código aberto com diversos desses programas instalados nele, uma forma de fazer essa transição. O usuário pode acessar a internet e fazer tudo que fazia antes mas com um nível de segurança muito maior.

Por Rafael Tatemoto,

BRASIL DE FATO


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