ALGOZES NÃO CONSEGUEM ESPECIFICAR AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME DE LULA

Não deixa de ser curioso que os julgadores de Lula não tenham sido capazes, até agora, de sequer especificar as circunstâncias do crime que ele cometeu. No entanto, o mais chocante é verificar que isso não fez diferença no resultado final



Guilherme Scalzilli, em seu Blog



O empenho institucional para viabilizar a prisão de Lula destoa da insignificância da sua base condenatória. Somando as esferas e os recursos comprometidos com a aventura, não deixa de ser curioso que tenham sido incapazes sequer de especificar as circunstâncias do crime. Mas é chocante verificar que isso não fez diferença no resultado final.

As coincidências arbitrárias do projeto suplantam os limites pessoais e funcionais de Sérgio Moro. Sem um acordo de bastidores e a garantia de respaldo superior ele jamais arriscaria a reputação nesse jogo de lances temerários. A demonização do juiz favorece as autoridades ocultas que o instruíram e avalizaram desde o início.



Tamanho esforço persecutório é equivalente ao peso de Lula e ao benefício conseguido em neutralizar seu capital político. A putrefação recíproca de fins e meios escancara o viés ideológico da “excepcionalidade” punitivista, cuja eficácia se resumiu a correr para apanhar o favorito nas pesquisas antes do início da disputa presidencial.

Lula foi tratado como um dissidente político de qualquer ditadura. As licenças jurídicas, as artimanhas clandestinas, as manobras processuais e os precedentes temerários, culminando na violação do preceito constitucional da inocência, mostram que ele jamais teve a menor chance. As cortes iriam até onde quisessem para apanhá-lo.

O regime militar também possuía tribunais, ritos jurídicos, princípios republicanos e mesmo o aval do STF. Todos os seus prisioneiros foram condenados por “crimes comuns”. O apego da direita a narrativas formalistas visa transformar o teatro autoritário da legalidade em sinônimo de efetiva observância de direitos. Eis outra repetição histórica.

O volume da corrupção no meio político brasileiro e a impunidade do PSDB paulistageneralizaram a sensação de injustiça no caso Lula a um ponto irreversível, quase anedótico. Essa perplexidade ficará marcada no imaginário público por muito tempo, alimentando a indelével martirização do petista.

Quanto mais se fortalecer a expectativa (ingênua ou hipócrita) numa faxina “redentora” do país, maior será o escândalo de sua frustração. Cada preso importante que a Lava Jato usar como exemplo de idoneidade levantará questões incômodas: a demora para agir, os outros que escaparam, a gravidade dos delitos, as chances eleitorais dos atingidos.

Se a prisão de Lula tem natureza política e anuncia uma inevitável derrota simbólica do condomínio justiceiro, podemos esperar que o ataque se estenda para o âmbito sucessório. No embalo da tentativa de transformar Lula em bandido ordinário virá o impulso de fazer o mesmo com seus apoiadores.

O isolamento do PT e de seus aliados é imprescindível para a consumação do jogo. À medida que Lula mantiver sua influência nas articulações da esquerda, o garrote judicial se fechará, nem que para tanto recorra à criminalização pura e simples de indivíduos e grupos organizados. A desunião marca o início do fim das chances eleitorais do campo progressista. E talvez da própria resistência democrática a curto prazo.

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