REUNIÃO PÚBLICA DESTACA 30 ANOS DA LUTA ANTIMANICOMIAL

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Há 30 anos, na cidade de Bauru, durante o Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental, foi instituído que o dia 18 de maio marcaria a luta antimanicomial no Brasil, e esse foi o mote da reunião pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania e Segurança Pública por iniciativa do vereador Goura (PDT), na tarde desta quinta-feira (18). 

O encontro ocorreu no auditório do Anexo II da Câmara de Curitiba e contou com a participação de representantes do Ministério Público, do Conselho Regional de Psicologia (CRP-PR), da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme-PR), da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e outras entidades ligadas ao tema.

Goura lembrou que já nos idos da revolução francesa havia uma preocupação quanto às pessoas com transtornos mentais, mas naquela época imperava uma política de exclusão que lotava hospitais, santas casas, casas de detenção e depósitos de mendigos. A medicina é chamada então para dar respaldo a essa política. “A nova especialidade médica, a psiquiatria, responde adequadamente a um problema social, legitimando a exclusão dos elementos desviantes da sociedade que escapavam às instituições penais mas que, agora doentes mentais, pertenciam ao hospício”, disse o vereador.

No Brasil, destacou Goura, o primeiro hospital psiquiátrico foi fundado em 1840 (Hospício Dom Pedro II). Já na República havia hospitais psiquiátricos em São Paulo, Bahia e Pernambuco. Em 1903 foi inaugurado em Barbacena, Minas Gerais, o Hospital Colônia, “palco do que mais tarde foi chamado de Holocausto Brasileiro”. Durante o período Vargas, há a assinatura de um decreto que tentou regulamentar “a profilaxia mental, a assistência e a proteção à pessoa e aos bens dos psicopatas”. A proposta estava dentro de um modelo que visava a não perturbação da ordem social. Em 1975 começam as viagens do estudioso italiano Franco Basaglia ao Brasil. Ele esteve em Barbacena e denunciou as condições do hospício e a forma de tratamento aos internados. 

Em 1978 é criado o Movimento Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental “questionando a prática psiquiátrica predominantemente hospitalar e o enriquecimento da enorme rede privada conveniada em todo o país”. O crescimento da Frente de Luta Antimanicomial e a implantação do SUS ampliaram as práticas de setorização dos serviços extra hospitalares, a ressocialização dos asilados e o estímulo ao tratamento ambulatorial próximo ao domicílio dos pacientes, concluiu o vereador.

Para Andreia Cristina Bagatin, promotora do Ministério Público do Paraná, a determinação do dia 18 de maio como a data da luta antimanicomial foi uma das reações à forma como os portadores de transtornos mentais foram tratados no Brasil desde o século XIX. “A reforma psiquiátrica no Brasil se inicia como uma reação a essa situação. Em um primeiro momento, com a constituição de uma rede extra hospitalar e com a promoção de alterações legislativas que visavam deixar claro que a internação de pessoas com transtornos mentais deve ser pontual, excepcional e deve acontecer apenas quando os recursos extrahospitalares não derem conta da situação”.
Mesmo assim, houve recaídas como a do Código Civil de 2002, que entrou em vigor após a lei 10.216/2001 (reforma psiquiátrica) que previa que “os portadores de transtornos mentais, deficientes mentais, ébrio habituais e viciados em tóxicos que estivessem interditados seriam recolhidos quando não se adaptassem ao convívio doméstico”. Tal norma só foi alterada em 2015, com a edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

“Os serviços extra hospitalares existem? Existem em quantidade suficiente? Eles prestam serviços de qualidade? Essas indagações devem ser avaliadas com seriedade pelos gestores públicos”, entende a promotora. Ela mencionou a questão da saúde mental de crianças e adolescentes em Curitiba. De acordo com o Ministério da Saúde, recomenda-se a existência de Centros de Atenção Psico-Social voltados para crianças e adolescentes (Caps i) em locais com população acima de 70 mil habitantes (um Caps i a cada 70 mil habitantes). Curitiba possui, segundo Andreia Bagatin, apenas 3 unidades Caps i, ou seja, um número adequado para uma cidade com 210 mil habitantes, o que não é o caso. 

“Os recursos hospitalares são excepcionais, mas necessários em alguns casos, mas é público e notório que Curitiba não possui nenhum leito hospitalar para internamento psiquiátrico de crianças e adolescentes. Elas precisam ser encaminhadas para o interior”. O vereador Rogerio Campos (PSC), presidente da Comissão de Direitos Humanos, propôs a ideia do encaminhamento à prefeitura da sugestão de um CAPS Infantil em cada Regional.

Representando os usuários da Saúde Mental do município de Curitiba, Sara de Oliveira Assis lembrou episódios de sua vida, que foi atribulada pelo consumo de drogas. “Tudo começou em função de conflitos familiares e depois houve a vergonha de pedir ajuda”, disse ela, que chegou a morar nas ruas. “Eu tinha um trabalho e uma família, mas ao mesmo tempo tinha dificuldade de administrar tudo isso por causa das drogas”, lembrou Sara. Posteriormente, levada por seu pai, ela teve uma primeira tentativa de ajuda num CAPS que não deu certo. 

“Tive ajuda do Consultório na Rua e depois voltei ao CAPS, onde fui internada”. Hoje ela estuda, trabalha e tem residência fixa. Para Sara, a reforma da previdência pode prejudicar serviços como CAPS, Intervidas e Consultório na Rua. “Se eu estivesse presa num manicômio, amarrada, babando e sendo eletrocutada eu não estaria hoje fazendo parte da sociedade. Tudo que me aconteceu serviu para que eu me convencesse da importância do tratamento em liberdade”.

Núcleo Carrano

Altieres Edemar Frei, psicólogo membro do Colegiado Gestor da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme-PR) – entidade que existe há dez anos – destacou a iniciativa de se implantar um núcleo no Paraná, que recebeu o nome de Núcleo Carrano, em homenagem ao escritor Austregésilo Carrano, figura de destaque da luta antimanicomial. “Essa homenagem nos dá lastro, mas também acarreta responsabilidades”. Carrano foi autor do livro “Canto dos Malditos”, que serviu de base para o filme “Bicho de Sete Cabeças”, um libelo contra os exageros cometidos nos manicômios, exageros que continuam se verificando até hoje”.

Há uma série de investimentos na área da saúde mental que precisam ser trazidas à discussão, como é o caso especialmente da criação das Unidades de Acolhimento Transitório para complementar o trabalho dos CAPS e dos Consultórios na Rua”, entende Altieres. Para ele, reavaliar a legislação é urgente. “Enquanto não fizermos isso, neomanicômios surgirão com a promessa de higienizar as pessoas, deixá-las com trinta e dois dentes e cabelos penteados. Enquanto não tratarmos o problema com a seriedade que ele merece, muitos Carranos ficarão jogados nos seus Cantos dos Malditos.”

A médica Sylvia Ferraz da Cruz Cardim entende que no caso das doenças comuns o lugar de tratamento mais adequado é o hospital, mas no caso dos transtornos mentais isso não se aplica. “A superação do manicômio, para além das questões históricas que registraram barbáries, implica na construção de pensamentos, posições, equipamentos, políticas e profissionais que deem conta dessa complexidade, ou seja, a política determina as possibilidades com as quais se vai trabalhar”. 

Ela lembrou que quando passou a integrar um CAPS, há sete anos, sentiu-se no século XIX, com medidas proibitivas de toda ordem. “Os CAPS entravam na linha de produção da reedição manicomial”, disse Sylvia. Há quatro anos, segundo ela, houve uma revolução nas práticas, o que possibilitou novas formas de cuidado. “Tivemos avanços gritantes”, disse ela, “mas se cessarem os investimentos, tudo acaba. Daí a importância de fazer os vereadores dessa Casa verem a importância da continuidade das políticas em prol do tratamento em liberdade”.

Semiramis Maria Amorim Vedovatto do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) apresentou um vídeo sobre a campanha “Trancar não é Tratar”, que contém uma poesia declamada por Austregésilo Carrano. “Tão importante quanto a luta pela melhoria das políticas sobre o tema, é a luta pelo fim do preconceito, pela mudança do modo de se fazer assistência em saúde mental, na inclusão social, na desinstitucionalização”.

“Se antes tínhamos o modelo da segregação e da medicalização do sofrimento, hoje ainda nos preocupamos com uma sociedade medicalizada e patológica, bem como com os novos manicômios fora dos hospitais”. De acordo com Semiramis, hoje há cerca de 3 mil equipamentos de saúde mental aguardando habilitação e financiamento pelo Ministério da Saúde em municípios pequenos e médios. “Neste 18 de maio olhamos para os avanços da reforma psiquiátrica, mas com olhos críticos e não contemplativos”.

Margarida Gomes de Oliveira, psiquiatra aposentada, apontou que muita coisa mudou. “Temos pacientes falando e isso é uma transformação. Mas devemos estar atentos porque há uma contrarreforma em andamento. Falar em comunidade terapêutica nos anos 70 era um projeto. Hoje não. O ímpeto controlador típico dos hospícios pode se manifestar”. Para Rodrigo Alvarenga, do Núcleo de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), o modo como a sociedade está organizada em nome da produtividade e da eficiência gera sofrimento psíquico. “A prática da hipermedicalização tem envenenado nossos jovens, uma ‘normatização’ por meio de drogas que gera um enclausuramento das subjetividades na lógica de uma sociedade de controle.”

Comunidades Terapêuticas

O vereador Ezequias Barros (PRP), integrante da Comissão de Direitos Humanos, disse que que ninguém tem a intenção de limitar os CAPS. “Eles devem ser fortalecidos, assim como as comunidades terapêuticas”. Ele se referia a uma audiência pública em que foi discutida a inclusão das comunidades terapêuticas no Sistema de Saúde (leia mais).

 “Elas já estão inclusas de direito, mas não de fato.” Ele entende que há comunidades terapêuticas que cumprem sua função e outras que não. Para Ezequias, o sistema que melhor funciona no Brasil é o de Santa Catarina, em que os CAPS e as comunidades atuam em consonância.

Também se manifestaram Dione Maria Menz, representando a Universidade Federal do Paraná; Vandeli Machado representando o coletivo Um Passo à Frente; e Thiago Bagatin, presidente do Sindicato dos Psicólogos do Paraná

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