O HOMEM QUE DOOU R$ 25 BILHÕES EM SEGREDO PARA INSTITUIÇÕES DE CARIDADE

“Não o fiz para provar coisa alguma, exceto que, com sorte, o mundo agora é um lugar melhor porque peguei o meu dinheiro e o dividi entre muitas pessoas”. Hoje com 85 anos, ex-bilionário doou quase toda a sua fortuna sem que ninguém soubesse durante décadas. Ele explica por que fez tudo em segredo

Charles Francis ou “Chuck” Feeney (reprodução)


A fortuna estimada em US$ 8 bilhões (R$ 25 bilhões) que transformou Charles Feeney em um dos homens mais ricos dos Estados Unidos não pertence mais a ele.

O magnata doou o montante em segredo, e em vida, para instituições ao redor do mundo.

“Não o fiz para provar coisa alguma, exceto que, com sorte, o mundo agora é um lugar melhor porque peguei o meu dinheiro e o dividi entre muitas pessoas“, afirmou Feeney, em entrevista à BBC.

Quando questionado sobre a decisão de fazer as doações secretamente, afirmou que “não precisa explicar para todo mundo o que está fazendo“.

Entre as instituições agraciadas estão algumas na área de saúde pública e outras que fazem campanha pela paz.

Além disso, cerca de U$S1 milhão foi usado em custos operacionais da empresa Atlantic Philantropies, um grupo de entidades criado pelo próprio Feeney, em 1982, para canalizar as doações.

O valor mais recente foi uma doação de U$ 7 milhões (R$ 22 milhões), no fim do ano passado, para ajudar estudantes da Universidade de Cornell (EUA) envolvidos em trabalhos comunitários.
Apartamento alugado

Dessa forma, Feeney, hoje com 85 anos, terminou de distribuir a riqueza que acumulou como fundador de uma empresa pioneira de duty-free (ou free shop) – lojas especializadas em vender, sem encargos fiscais tradicionais, desde perfumes até bebidas alcoólicas e cigarros em aeroportos.

Segundo Oechsli, depois das doações, o agora ex-magnata ficou com apenas uma pequena parcela do que ganhou: aluga um apartamento modesto em São Francisco, na Califórnia. Não tem mais imóveis ou bens luxuosos.

Tudo o que guardou seriam “alguns poucos milhões” – menos de U$ 10 milhões (R$ 33 milhões) – para cobrir os custos de vida e cuidados médicos que ele e sua mulher, Helga, terão até a morte.

E, apesar da mudança no padrão de vida e de consumo, Feeney, apontado como uma espécie de antítese do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está longe de demonstrar arrependimentos.

“Viver e desfrutar da vida da maneira que eu fiz até agora já está bom. Estou feliz com isso, e minha esposa também“, afirmou.
‘James Bond da filantropia’

Feeney é o filantropo americano que doou mais dinheiro ainda vivo.

Segundo a revista Forbes, ele encabeçou uma lista de percentual de doações em relação à fortuna, que inclui o megainvestidor George Soros – Soros que teria doado em vida cerca de 49% de sua riqueza atual – e o casal Bill e Melinda Gates (40%).

A mesma publicação o chamou de “James Bond da filantropia” pela forma como ele viajou o mundo por mais de três décadas com a missão de distribuir clandestinamente sua fortuna.

Feeney confessa que a decisão de se desfazer da riqueza acumulada não foi consequência de um episódio em particular, mas de um processo pessoal, que incluiu leituras sobre filantropia e algumas reflexões.

“Considerei as alternativas que tinha na minha vida e pensei que o melhor que poderia fazer era estender a mão e buscar as pessoas menos afortunadas“, disse.
Trajetória

Feeney não herdou sua riqueza, mas a ganhou ao longo da vida. Ele nasceu e cresceu em uma região humilde de Nova Jersey, filho de mãe enfermeira e pai corretor de seguros.

Aos 10 anos, vendia cartões de Natal de porta em porta e ainda adolescente se alistou na Força Aérea dos Estados Unidos – serviu no setor de inteligência de sinais na Guerra da Coreia (1950-53).

Ele foi o primeiro membro da família a cursar o ensino superior, através de um programa governamental para veteranos de guerra – estudou justamente em Cornell.

A ideia de fundar a gigante Duty Free Shoppers (DFS) ao lado de Robert Miller, em 1960, foi baseada na experiência de negócios que Feeney tinha recebido vendendo mercadorias a tropas dos Estados Unidos em outros países.

A fortuna começou a se multiplicar até ele chegar à conclusão de que ele e os filhos tinham mais do que precisavam.
Vida simples

Muito antes de doar todo o dinheiro, Feeney era conhecido pelo estilo de vida mais simples, diferente da aura luxuosa que a empresa dele transmitia.

Preferia comer em bares populares do que em restaurantes caros de Nova York e não viajava de avião na primeira classe. Usava um relógio que custava cerca de US$ 15 e carregava uma sacola plástica com os jornais que lia frequentemente.

Por isso, nega que sinta falta dos tempos em que tinha uma imensa fortuna.

“Não sinto falta, porque nunca fui apegado à riqueza material“, disse.

Questionado sobre o que lhe dá prazer depois de cumprir o grande objetivo de se livrar do dinheiro, ele responde.

“Viver exatamente do modo que eu vivo, sabendo que através do trabalho da fundação fiz o bem a quem não esperava“.

“Isso foi uma espécie de recompensa“, disse.
O destino das recompensas

As doações de Feeney ajudaram pacientes com Aids a terem acesso a tratamento retroviral na África do Sul, a reformar o sistema de saúde pública no Vietnã e a buscar a paz na Irlanda do Norte, onde ele se reuniu com paramilitares nos anos 90 para pedir que abandonassem as armas – sua família é de origem irlandesa.

Apesar de a Atlantic não ter negócios na América Latina, ele investiu na melhoria da saúde pública em Cuba e em ações que contribuíram para normalizar as relações entre a ilha e os EUA recentemente.

No mês passado, um artigo no jornal americano The New York Times comparou Feeney com Trump, mas como modelos opostos.

“Durante anos, Trump fez muita pressão para entrar na lista dos mais ricos da Forbes, por exemplo; Feeney articulou para estar de fora dela. A doação da Atlantic vinha inteiramente do dinheiro de Feeney, enquanto grande parte do dinheiro que entrou na Fundação Trump recentemente era de outras pessoas“, afirmou o jornal.

Questionado sobre o contraste, ele evitou comentar.

“Nunca tive a intenção de comparar a minha vida com a de ninguém.”

Apesar disso, assessores afirmam que o ex-magnata está muito preocupado com a situação atual dos Estados Unidos e com a polarização política no país.

Agora que sua fortuna já foi inteiramente repartida, a Atlantic está com os dias contados: vai se dissolver em 2020, depois de finalizar a entrega das doações prometidas e de desenvolver os programas previstos.

Gerardo Lissardy, BBC Mundo

Postar um comentário

0 Comentários