JOVEM DE 17 ANOS É AMEAÇADO DE ESTUPRO POR PARTICIPAR DE OCUPAÇÕES

“Você ocupa escola? Vou ocupar sua boceta.” Estudantes denunciam abusos sexuais, agressões e intimidações vindas de policiais e diretores de escolas de SP



Ponte

Logo após sair de uma ocupação de secundaristas na sede do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, em abril deste ano, no centro de São Paulo, Sarah Jeniffer Sousa, 17 anos, foi abordada na rua por uma viatura com quatro policiais.

Todos homens.

“Os policiais fizeram uma rodinha e fui revistada por todos. Eles passaram a mão no meu corpo todo e diziam coisas como ‘secundarista é puta, mas é gostosa’”, relatou a estudante no púlpito do Salão Nobre da Câmara Municipal de São Paulo, na manhã da quarta-feira (23/11), durante uma audiência pública da Comissão de Educação, Cultura e Esportes. Realizada a pedido do Comitê de Mães e Pais em Luta, a comissão ouviu denúncias de perseguições do governo Geraldo Alckmin (PSDB) ao movimento estudantil.

Segundo a secundarista, os policiais a liberaram após a revista, mas a seguiram pela rua, na viatura, até ela entrar em uma estação de metrô. Da janela do carro, os PMs a xingavam. “Eles gritavam: ‘Quer ocupar escola? Ocupa minha cama também’ e diziam que iam ocupar minha boceta com os pênis deles”, detalhou a estudante para a Ponte. “Foi muita resistência, ali, para não chorar. Quando cheguei no metrô, desabei”, concluiu.

Quando Jenifer fez sua denúncia no Salão Nobre, porém, não havia mais ninguém do governo para ouvi-la. O representante da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, Wilson Levy, já havia ido embora. Dizendo ter “outros compromissos”, Levy deixou o local meia hora antes do final do evento. Em sua fala, evitou comentar as denúncias de violências e preferiu falar sobre um projeto do governo de “gestão democrática” das escolas.

Mesmo sem a presença dos ouvidos do governo, Jenifer e outros estudantes continuaram a fazer suas denúncias diante de vereadores, professores e representantes do Ministério Público presentes ao debate. Logo depois dela, outro secundarista, um menino de 17 anos, leu relatos de violência sofridos por seus amigos, mas não conseguiu falar das agressões que ele próprio havia recebido.

“Muitos aqui já foram ameaçados e seguidos até em casa. Eu também já fui. Minha mãe não sabe. Ela teria um piripaque no coração se soubesse, e por isso… eu não sei… eu não vou falar”, disse e se calou, deixando o microfone.

Em seguida, falando para a Ponte, com a condição de não ter seu nome relevado, o secundarista contou que, numa noite, também foi seguido após deixar a ocupação no Centro Paula Sousa por dois homens à paisana em um carro. A dupla parou ao lado dele, deixou o automóvel e o agarrou, apontando uma arma para adolescente.

“Disseram que sabiam quem eu era, onde eu morava e que, se eu voltasse de novo à ocupação ou participasse de algum protesto, iriam me matar”, contou. E fez uma previsão sombria: “Acho que só vai piorar. Logo a polícia vai começar a fazer chacinas de estudantes, como já faz com os jovens negros da periferia, como fizeram com os cinco da Zona Leste”.
Denúncia e frustração

Membros do Comitê de Mães e Pais em Luta lembraram que, no ano passado, numa reunião com diretores de escola, Fernando Padula Novaes, chefe de gabinete da Secretaria de Educação do Estado, convocou os funcionários para “uma guerra final” contra as ocupações. Talvez por isso as histórias apresentadas nessa quarta-feira lembrem falas das vítimas de uma guerra.

“Chega uma hora em que a gente começa a se perguntar se a luta vale a pena. Eu tenho 16 anos e sou tratada como uma criminosa”, disse Lilith Cristina Passos Moreira, que em 2015, segundo seu relato, teria recebido um soco do diretor da Escola Estadual Maria José, na Bela Vista, onde estuda. “Outro dia a vice-diretora chamou a polícia porque a gente estava colando cartazes na escola convidando para um seminário”, contou.

Para a advogada Mara Tambelli, os relatos dos secundaristas indicam uma “ação conjunta” entre a Secretaria de Educação, os diretores de escolas e a Polícia Militar para perseguir os alunos. “Estudantes que participaram de ocupações estão sendo ameaçados pelos diretores dentro das escolas e pela polícia nas ruas”, afirmou. Os mesmos diretores, segundo ela, estão se articulando com grupos de pais para “estimular uma contraocupação forçada das escolas” e recebendo policiais militares para dar “aulas de cidadania” aos estudantes.

O formato adotado para a audiência pública frustrou os estudantes, por deixar espaço para os vereadores fazerem longos discursos, mas limitar a dois minutos as falas dos estudantes. A falta de encaminhamentos concretos para as denúncias também decepcionou os secundaristas, já que o presidente da Comissão de Educação, vereador Paulo Reis (PT), optou por uma finalização burocrática: encaminhar as denúncias para as “autoridades responsáveis” tomarem providências.

Outro dos convidados do evento, o procurador Marlon Weichert, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), levou as denúncias mais a sério. Após o fim do evento, ofereceu-se para se reunir com os estudantes e ouvir os seus relatos em detalhes.

Se o procurador resolver tomar alguma providência em relação às denúncias dos estudantes, é provável que compre uma nova briga com os promotores estaduais paulistas. Em setembro deste ano, depois de anunciar que acompanhariam a conduta das forças policiais em manifestações, os membros da PFDC foram denunciados pelo Ministério Público Estadual de São Paulo ao Conselho Nacional do Ministério Público pela acusação de “agirem fora de sua competência legal”.

Durante o debate dessa quarta-feira, Weichert comentou a “reação virulenta” dos promotores e afirmou que nada disso o faria desistir: “Em termos de direitos humanos, não existe privilégio nem exclusividades. É um principio jurídico básico que se deve somar, e não dividir, na defesa dos direitos”.
Outro lado

Em nota, a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública comentou as denúncias:


“A SSP esclarece que as ações para a reabertura de escolas ocupadas por manifestantes tem sido acompanhadas pelo conselho tutelar. As ações ocorrem de forma pacífica, tanto que a Corregedoria da Polícia Militar não foi procurada por nenhum estudante secundarista ou manifestante, para o registro de qualquer denúncia.”

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