SUPREMO GOLPEOU A CONSTITUIÇÃO?

existe terceiro e quarto grau de jurisdição? A presunção de inocência é princípio absoluto?

E o direito fundamental da sociedade como fica?
Publicado por José Herval Sampaio Júnior


As perguntas supra são questionamentos que precisam ser feitos nesse momento e a primeira delas, fiz de propósito nesse sentido pitoresco, justamente porque a moda agora é falar em golpe quando não se concorda com uma dada posição. Meu Deus aonde vamos parar desse jeito?

E responderei uma a uma, trazendo ainda mais fundamentos para a legitimidade e pertinência total da decisão do último dia 05 de outubro, que em boa hora interpretou a nossa Constituição, assegurando ao mesmo tempo a presunção de inocência ou não culpabilidade [1] com outros valores constitucionais de igual jaez, logo o que mais o intérprete deve fazer quando se depara com textos normativos constitucionais é justamente buscar o equilíbrio entre valores contrapostos, que indiscutivelmente foram introduzidos a partir da complexidade dos temas e até mesmo pluralidade de nossa sociedade à época da elaboração e que talvez hoje tenha até aumentado.

Sem embargo do possível acerto das críticas técnicas quanto ao erro na forma feita pelo STF, apontado por Lênio Streck, entendemos que a decisão ora analisada, no aspecto meritório, interpretou os dispositivos constitucionais de modo plausível e que mesmo podendo assumir a posição de outrora, também plausível, o fez dentro de suas atribuições e em momento algum extrapolou a sua função primordial de dar a última palavra sobre como deve ser compreendida a Carta Magna, sendo absurdo enunciar que tivemos um golpe à Constituição.

Isso, afinal, tem de ser compreendido, pois bem ou mal, cabe ao STF dizer como devemos compreender dado texto normativo e por mais que a doutrina possa não concordar e isso é positivo para a construção do Direito, que nunca deve ser tido como imutável, pelo contrário, deverá sempre estar aberto a dinamicidade da sociedade, não se pode chamar de golpe uma decisão de nossa Suprema Corte.

Não concordar com a mesma e trazer possíveis contradições, até mesmo em um caso em que cinco ministros adotam posição distinta faz parte do exercício normal de crítica, contudo bradar, em um momento de plena evolução democrática de nossas instituições, de forma desrespeitosa contra uma decisão que restabeleceu uma jurisprudência remansosa até então, pois não podemos olvidar que mesmo depois da Constituição de 1988, a decisão ora combatida ferozmente prevaleceu por mais de vinte anos e só foi reformada em 2009, prevalecendo por mais ou menos seis anos e agora retomada, daí a pergunta os ministros que compunham a Corte até a reforma passada também golpearam a Constituição? [2]

A decisão do último dia de 05 de outubro que ratificou a decisao de 17 de fevereiro deste ano, com a mudança de posicionamento de Dias Toffoli é uma das posições possíveis dentro do que estabelece os textos normativos da CF, pois em momento algum a mesma enuncia textualmente que não se pode iniciar a execução de uma pena depois de confirmada a condenação por Tribunal de Apelação e acaso tivéssemos dessa forma, aí sim talvez as críticas, nessa linha tão deselegante, fizesse algum sentido. Aonde encontramos essa clareza solar de que há vedação ao início do cumprimento da pena, depois de duas decisões de mérito confirmando a materialidade do crime e autoria?

O resumo dos votos dados na decisão que ora analisamos pode ser vistoaqui e tive o cuidado de rever na TV Justiça todos os detalhes e não encontro essa discrepância toda que, por exemplo, se trouxe nessa matéria

Com todo respeito à matéria supra e fiz questão de trazê-la justamente para que os leitores percebam que não estamos falando sem o devido contraditório, vê-se claramente que os entrevistados são em sua grande maioria advogados criminalistas e mesmo tendo outro profissionais, não espelha a devida divisão que o tema suscita, dando a impressão de há uma maioria considerável dentre os juristas que não concordam com a decisão.

É obvio que existem juízes que também pensam da forma trazida pela maioria na matéria, por exemplo, inclusive dos dois ouvidos, um para cada lado, contudo o que interessa espelhar aqui é que estamos frente a uma decisão que indiscutivelmente é polêmica e que com certeza voltará a ser analisada pela Corte, porém não se pode tê-la como teratológica e falo com propriedade de quem analisa o tema prisão há algum tempo e que inclusive se posiciona como garantista frente ao indispensável cumprimento dos direitos e garantias fundamentais por todos os operários de Direito. [3]

Além de dois livros citados em nota de rodapé que confirmam a nossa posição de total respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, coração de nosso constitucionalismo contemporâneo, ainda menciono um curso recente nosso, inclusive que pode ser assistido pelos leitores de forma gratuita a partir desse link, que de modo indiscutível comprova nossa posição quanto à necessária justificação plausível e concreta quanto a cautelaridade que se exige para conformação da prisão provisória/processual.

Entretanto, o assunto ora em debate assume outro viés, pois estamos falando agora da culpabilidade já assentada em dois julgamentos a partir de uma cognição exauriente e que deve se presumir que houve obediência ao devido processo legal em sua acepção substancial. Não podemos presumir nunca a má-fé e não cumprimento das garantias constitucionais processuais, estas devem ser comprovadas e acaso tenham efetivamente ocorridas podem e devem ser suscitadas por Habeas Corpus, remédio constitucional expedito e eficaz para essas situações e que não foram vedados na decisão ora analisada. Plagiando meu amigo Lênio Streck, Bingo.

Antes mesmo de responder ao segundo questionamento, enfrentarei esse detalhe importantíssimo, em momento algum, se fecha a possibilidade de que até mesmo o mérito em caso de serem as decisões de condenação teratológicas, possa chegar ao controle dos Tribunais Superiores como sempre o foi e continuará sendo, pois o manejo do Habeas Corpus sempre foi mais utilizado do que os recursos excepcionais e sempre o será, logo permitir o início do cumprimento da pena não obstará tais direitos, bem como a sua possível suspensão.

Esse fato é facilmente comprovado pela análise estática trazida pelo Ministro Teori, a qual enuncia que em apenas 1,7% dos processos houve assentimento da tese da defesa quanto aos recursos apresentados e até mesmo Habeas Corpus, que sequer foi contraditada pelos votos vencidos.

Na realidade, os votos vencidos, com todo respeito aos mesmos, em momento algum enfrentaram os vencedores e estes, pelo contrário, fizeram questão de ratificar a presunção de inocência na linha dos vencidos, somente não os dando a mesma força. Ainda retomaremos essa temática.

Entretanto, vamos agora à pergunta chave em nosso sentir, existe um direito do condenado a um terceiro e quarto grau de jurisdição?

A resposta, com todo respeito a quem pensa em contrário, é um categoricamente não e vale para toda situação e não só para o processo penal, pois como temos dito em nossas aulas e palestras, essa compreensão equivocada de nosso sistema jurídico é um dos problemas crônicos e que para nós se constitui como um dos pontos de estrangulamento de nossa Justiça, já que as pessoas insistem em querer submeter, por exemplo, ao STJ, TSE, TST, STM e STF o acerto ou desacerto das decisões, ou melhor, a justiça do caso concreto, ou então, querer revisitar os fatos. Isso não existe juridicamente falando.

As decisões dos Juízes e Tribunais desse país precisam ser respeitadas. E aConstituição foi mais do que categórica nesse sentido e só deu aos Tribunais Superiores a reanálise dos fatos quando de suas competências originária e recursal ordinária e não na função excepcional e tanto é verdade que os demais recursos assumem claramente a peculiaridade de serem diferentes, justamente porque têm a função política na acepção do termo, definindo a pertinente tese jurídica da competência particular de cada Tribunal Superior, uniformizando objetivamente o direito nessa via restrita e não tendo o poder de reapreciar tudo como querem alguns, na realidade muitos e porque será isso?

Portanto, querer dar aos condenados o direito de reapreciar o mérito das decisões dos Juízes e Tribunais de forma ampla e irrestrita vai de confronto a nossa Constituição e, por conseguinte, não é corolário do princípio da presunção de inocência, este tem a sua conotação no sentido de que quem tem de provar o culpa do investigado, denunciado e condenado duas vezes se for o caso é o Estado e nesse peculiar caso o fez, duas vezes, logo a presunção de inocência perde a sua força inicial, cedendo a outros valores, como muito bem pontou Luís Roberto Barroso e logo após Teori chamando atenção a necessidade de que o sistema penal seja efetivo, justamente porque protege outros valores também e não só o do réu.

A presunção de inocência e na realidade qualquer outro direito e garantia fundamental não é absoluta e nem podia o ser, com todo respeito a quem pensa em contrário, pois a nossa Constituição tem no próprio corpo do capítulo que assegura a referida presunção outros valores, como a vida propriedade e em especial nesse momento a moralidade administrativa, logo porque só prestigiar a presunção de inocência?

Esta presunção é respeitada sim pela decisão ora analisada e guerreada, tão somente não se pode se dá a ela toda essa dimensão, justamente porque houve duas condenações que afirmaram categoricamente a culpa e materialidade do crime, logo razoável que o condenado dê início ao cumprimento da pena, não pela cautelaridade que sempre defendemos como elemento indispensável a prisão processual, mas como elemento fático autorizador de uma situação em que a presunção não mais se afirma como razoável, devendo se inverter a situação, tudo sem prejuízo de que alguma possível violação a direito do acusado/condenado seja reapreciada pelos Tribunais Superiores, contudo sem efeito suspensivo e muito menos cognição ampla.

Mais uma pergunta ainda se se faz pertinente, os recursos excepcionais tiveram em algum momento efeito suspensivo automático como, por exemplo, ocorre com a apelação? [4]

Não, nunca tiveram, logo o momento do trânsito em julgado segundo os vencidos é que se encontra o problema, pois para estes se faz necessário que não tenham mais nenhum recurso que possa ser aviado e o que é que vemos na prática, o uso infindável desses recursos para obstar o cumprimento da pena e o pior para conseguir, por incrível que pareça, a prescrição da pretensão punitiva. Parece brincadeira, mas não é.

Ou seja, o réu condenado duas vezes pode recorrer quantas vezes o próprio ordenamento permite, mesmo sem que tais recursos tenham efeito suspensivo, mas não se pode dá início ao cumprimento da pena, contudo a prescrição não é interrompida. Isso é razoável? Na linha da moda agora, não soa a golpe?

E por mais que se diga que nem sempre vai ocorrer casos em que haja duplo juízo de mérito, pois existem as competências originárias dos Tribunais, isso foi uma escolha da própria Constituição em algumas situações e tem que ser respeitada, logo a análise expeccional tem que ser sempre expeccional e não servir como instrumento de postergação do cumprimento das normas penais e por conseguinte da própria Justiça.

Ora, se utiliza de todo tipo de recurso e detalhe quem se utiliza mais é quem tem dinheiro para bancar bons advogados, que saibam deduzir esses recursos excepcionais junto aos Tribunais Superiores em Brasília, contudo nesse interstício não se tem mais nenhuma causa interruptiva. Se for para prevalecer a tese de outrora, que pelo menos se traga de algum modo, mesmo que por interpretação como se condena a atual, uma solução para essa incongruência.

Não temos a menor dúvida a partir de inúmeros casos concretos que se utiliza de um número infindável de recursos, muitas vezes sequer questionando a possível inocência do condenado, tão somente para evitar que se dê início ao cumprimento da pena e o pior na busca da ocorrência da prescrição, logo como explicar ao povo que alguém, por exemplo, condenado por homicídio duas vezes, sem questionar junto ao STJ e STF, sendo réu confesso, como já vimos, fique mais de dez anos solto normalmente como se não tivesse cometido crime algum?

Ou então alguém condenado por crime de desvio de dinheiro público em duas diversas facetas, consiga depois de condenado duas vezes, que não se opere o início e sequer se cumpra a condenação por prescrição, tudo isso em ambos os casos, sem enfrentar o mérito?

Os ministros que acabaram vencendo com a tese mais que plausível que agora se ratificou chamaram atenção a esse peculiar fato e em momento algum, os vencidos enfrentaram tais aspectos, e a doutrina agora o máximo que enuncia é no sentido de que a decisão foi política e não poderia o STF ter agido assim.

Ora a decisão com todo respeito foi jurídica e tão somente respondeu aos aspectos que ora repassamos e quanto ao penúltimo questionamento, temos a resposta quase que automática, pois a presunção de inocência e nem um outro direito pode ser absoluto, inclusive o da sociedade, que a partir desse ultimo questionamento respondemos, fica sendo prestigiado como deve ser, ou seja, a partir das peculiaridades tem que ser respeitado e nesse caso em que temos duas condenações quanto ao acusado, nos parece que deve ser intensificado.

Ou vamos continuar com um sistema em que as pessoas cometem crime e não se têm a devida eficácia de nossa Justiça. Ou então esta só vale, com todo respeito, aos Três P, e que aqui para não ser ousado demais ficarei só com o primeiro, pobres, que sempre sentem a força de nossa Justiça e abarrotam os nossos presídios, tanto provisoriamente quanto de forma definitiva e sequer têm o direito, por não terem condições, de ir aos Tribunais Superiores, com raríssimas exceções, por trabalho árduo e operoso de algumas defensorias públicas.

E serei que também serei acusado no presente texto de utilizar a decisão como instrumento de nossa luta pessoal contra a corrupção, e já estou acostumado, contudo quero pelo menos não ser chamado de golpista, pois na linha dos votos vencedores, por enquanto, trouxemos fundamentos jurídicos e não políticos para a plausibilidade da retomada da posição, tudo com a esperança de que a partir de agora os criminosos desse país, independentemente de sua condição social, possam cumprir as suas penas e não se beneficiem da prescrição, através de recursos infindáveis, que sequer podiam analisar o mérito em si dos fatos.

Tudo isso sem obstaculizar que possíveis violações ao devido processo legal pelas instâncias inferiores, o que realmente pode vir a acontecer, contudo, indiscutivelmente, como exceção, possam ser analisadas pelos Tribunais Superiores tanto pela via do Habeas Corpus como sempre fizemos, bem como pela possibilidade de se conseguir o efeito suspensivo com pleitos cautelares, só não podendo continuar esse estado de impunidade que vimos atualmente, em que os poderosos, desse país, no mais sentido amplo do termo continuam a zombar de nossa Justiça Penal, pois esta só vem sendo sentida pela outra parte da população, diferente do que acontece em todas as outras sociedades democráticas, que mesmo respeitando a presunção de inocência, como aqui defendemos, tem o início do cumprimento da pena logo após dois julgamentos de mérito em seu desfavor, o que é mais do que razoável, bem como nos casos de competência originária por escolha do constituinte.

Por fim ainda reforço o nosso entendimento com a ponderação de que não existe conceito na Constituição do que seja trânsito em julgado como deixei entender no texto, logo a interpretação trazida na decisão tão somente trouxe o marco deste a partir da jurisdição ordinária, com a peculiaridade de haver na maioria dos casos o duplo juízo meritório, o que se coaduna com a sistemática e principalmente a necessidade de termos uma Justiça mais efetiva, em especial quanto ao cumprimento dos textos normativos de caráter penal, que encontram muito problemas justamente na parte processual.

Uma pergunta final sem resposta, até quando continuaremos com uma Justiça Penal sem efetividade e a quem isso interessa?

[1] Em nosso livro Manual de Prisão e Soltura sob a ótica constitucional em parceria com Pedro Rodrigues Caldas Netohttp://www.buscape.com.br/manual-de-prisaoesoltura-sobaotica-constitucional-2-ed-jose-herval-sampaio-junior-pedro-rodrigues-caldas-8530930312 chamava atenção a distinção de tais nomenclaturas, sendo a primeira mais ligada ao próprio direito material no sentido de não se admitir que se presuma culpado sem a conclusão do devido processo legal e ratifico tal conclusão. Já a presunção de não culpabilidade está mais ligada ao aspecto processual no sentido de que não se pode antecipar efeitos de uma condenação penal para fins de se decretar uma prisão provisória, a qual também ratifico, contudo no prima ora analisado a situação é distinta, pois a prisão não terá mais o aspecto cautelar, daí a particularidade que ora analisamos.

[2] Desses ministros estavam por algum tempo Marco Aurélio Mello e Celso Mello, que penso devem ter mantido suas posições, contudo repito a jurisprudência permaneceu por mais de vinte anos após a CF/88, sem contar o período anterior a ela, sem que ninguém fizesse a zoada de agora. Porque será?

[3] Não só falo como comprovo a partir de dois livros que tenho sobre a temática, um inclusive já citado na primeira nota de rodapé e o outro agora https://www.estantevirtual.com.br/b/jose-herval-sampaio-junior/processo-constitucional-nova-concepcao-de-jurisdicao/3987241999.

[4] Esse é outro problema crônico de nosso sistema que poderia ter sido resolvido pelo novo CPC e não o foi, mantendo-se esse efeito suspensivo automático tão pernicioso a efetividade do direito material via processo, pois o mais razoável seria suspender a decisão a partir de suas peculiaridades e a decisão ora analisada é uma perspectiva de mudança desse sistema.

José Herval Sampaio Júniorum cidadão indignado com a corrupção
Mestre e Doutorando em Direito Constitucional, Especialista em Processo Civil e Penal, Professor da UERN, ESMARN, Coordenador Acadêmico do Curso de Especialização de Direitos Humanos da UERN. Autor de várias obras jurídicas, Juiz de Direito e ex-Juiz Eleitoral.

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