PORQUE DISSE SIM À GREVE



Cássio Garcia Ribeiro* e Mário Tiengo*, Pragmatismo Político

“(…) não ignoramos que o tempo histórico
se acelera, e que a contagem desse tempo se faz contra
nós. Trata-se de saber se temos um futuro como nação
que conta na construção do devenir humano. Ou se
prevalecerão as forças que se empenham em interromper
o nosso processo histórico na formação de um Estado-nação”.
(Celso Furtado, 1992)

Os docentes da Universidade Federal de Uberlândia – UFU decidiram pela deflagração da greve, em assembleia realizada na terça-feira (18/10), com 240 votos favoráveis, 57 votos contrários e seis abstenções. Trata-se de uma greve especial, pois não está apoiada em reivindicações salariais ou atrelada a aspectos da carreira no magistério público superior. As pautas são eminentemente políticas, a saber: contra a PEC 241, contra o PLC 54, contra a MP 746, contra o projeto escola sem partido e contra as reformas trabalhista e previdenciária. A despeito do meu apoio total e irrestrito a essa pauta, confesso que a princípio era contrário à greve, pelos prejuízos no calendário que ela acarretará e por saber que sozinhos, nós da UFU, não conseguiremos reverter a aprovação da PEC 241 e de outras medidas do governo Temer (como as reformas trabalhista e previdenciária).

Ademais, recordo-me das lições que aprendi a duras penas na greve de 2013, que participei quando ainda trabalhava naUnesp, campus de Franca. A falta de mobilização de outros campi da Unesp acabou por enfraquecer o movimento grevista, de modo que, cansados e pressionados (com a ameaça de corte de ponto vinda da Reitoria) fomos obrigados a capitular, encerrando o movimento grevista com o sabor amargo da derrota. A despeito disso, tenho que reconhecer que a greve também representou um momento interessante de diálogo entre os docentes, permitindo que refletíssemos sobre os problemas do ensino superior público brasileiro, acerca da precarização a que nossa carreira está submetida, bem como no que diz respeito a questões ligadas aos rumos da economia e da sociedade brasileira. Estamos tão ensimesmados em nossas agendas de pesquisa e afazeres que raramente temos a oportunidade de nos debruçarmos coletivamente sobre tais questões. Logo, a greve nos deixou esse legado. Além disso, a greve nos deu a oportunidade de escutar as demandas dos alunos e técnicos administrativos, criando uma convergência entre os três segmentos em torno da necessidade de nos unirmos na luta por uma universidade pública, gratuita e de qualidade.

Considerando minha experiência prévia na Unesp, refleti bastante, conversei com alguns colegas e com meus botões e cheguei à conclusão que em alguns momentos na vida precisamos entrar em uma guerra mesmo sabendo de antemão que a derrota é o resultado mais provável, pensando que ela nos mobilizará para as guerras futuras. Pode ser uma postura quixotesca, mas prefiro manter a coerência da minha atuação política no magistério superior público brasileiro, do que ser sugado pela omissão e imobilismo. Logo, mesmo sabendo dos ônus que terei que assumir, sinto que tenho dever de ofício de denunciar as implicações que a PEC 241 descortinará do ponto de vista das condições para o desenvolvimento socioeconômico brasileiro, no médio e longo prazo, tais como: déficits irreparáveis na prestação de serviços públicos, sobretudo nas áreas de saúde e educação; implicações gravíssimas às carreiras do setor público (como congelamento de concursos, arrocho e perda da possibilidade de progressão); desaquecimento crônico da economia, pois ao contrário do mantra ecoado pelo pensamento hegemônico, não me parece razoável supor que o achatamento (colossal) do setor público será contrabalançado pela hipertrofia do mercado.

Estamos diante de um momento histórico para o Brasil, contexto no qual as conquistas da Constituição de 1988 estão seriamente ameaçadas. Trata-se, portanto, de um momento que demanda de cada um de nós que milita no campo progressista coragem para nos engajarmos nessa luta que está apenas começando. Logo, a greve, uma medida extrema, para situações especialíssimas, se impôs. Ainda que reconheça que uma andorinha não faz verão, é importante lembrar que não estamos sozinhos: há mais de 700 escolas ocupadas por estudantes secundaristas em todo o país. Oxalá esse movimento cresça, que consigamos sensibilizar nossos colegas das outras universidades públicas, os profissionais da saúde e de outras áreas do setor público e da sociedade brasileira para que seja instaurado um movimento amplo com força suficiente para barrar esse crime lesa-pátria que está sendo proposto pelo governo como panaceia para a crise brasileira.

*Cássio Garcia Ribeiro é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e Mário Tiengo é especialista em Governança Pública e colaboraram para Pragmatismo Político.

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